sábado, 23 de julho de 2011

diálogos fumantes d'eu mesmo em movimento circular


- Pois é, acho que ia ser bom tu começar a conversar contigo mesmo. Tu não tá sempre reclamando que ninguêm te entende, que a vida no Brasil tá completamente maluca? E se tu tá tão quieto o tempo inteiro, porra, desse jeito pelo menos tu vai perdendo o medo de abrir a boca.

- Mas isso é muito louco mesmo, porquê antes era uma falação só, eu tava sempre dizendo pra mim mesmo calar a boca. E agora tá foda, eu começo a falar e as palavras saem todas meio toscas. Certo que eu tô no meio de um processo bizarro também, tipo, tentando mixar o que eu aprendi do inglês com o que eu sabia do português. Mas sei lá, sipá eu não tô falando muito porquê daí, pelo menos, eu reduzo as chances de dizer alguma merda né...

- Pode ser mesmo. Porquê tu é um cara inteligente e tal, mas tá sempre falando merda também. É melhor falar pouco e bem do que encher linguiça com baboseira. O negócio é aquela frescura toda de buscar o equilíbrio, mas tem que levar isso a sério também né, senão vira quase hipocrisia. Porque tu tá sempre dizendo pra todo mundo essa coisa do equilíbrio mas as vezes parece que tu é o cara mais desequilibrado do mundo.

- É uma bosta mesmo. Queria poder dizer para mim mesmo pra ser mais inteligente com essa situação, mas na real sou completamente confuso, parece impossível organizar tudo num cérebro tão fraquinho.

- Na verdade tu tá dizendo essa porra pra ti mesmo, né. Mas sei lá, talves porque dessa vez tu tá falando ao invés de só pensar pode ser que entre mais na mente. Ou pode ser que não também, mas foda-se isso, na boa.

- É. Mas na real o cara não pode perder a essência também. Foda-se o jeito que os outros querem que eu seja, eu não vou desistir de ser como eu quero. Claro que tem muita gente vendida que tá subindo na vida, gente que aceita virar cobaia do sistema e que fica feliz porque pode comprar uma caralhada de coisas que a tv diz pra comprar. Mas eu ainda resisto no meu mundo, porquê eu vejo um monte de coisa errada nesse país e não vou calar a boca até que eu diga o que eu penso.

- Chegou o revolucionário, o mártir! Vai te foder e te toca que tu não é nenhum Jesus Cristo, né, tu é um baita de um egocêntrico de porra, isso sim. Quer dizer, tem cretino muito pior do que tu, mas baixa essa bolinha que tu tem é que viver mais essa porra de vida e parar de reclamar. Não se lembra que tu dizia isso pra ti mesmo o tempo todo? A frase do Dylan lá, que a vida é uma piada e o negócio é dar risada e aproveitar. Então, te gruda nisso ao invés de ficar deprimido, com peninha de ti mesmo porquê o mundo não é perfeito.

- Ah, mas tu fala como se fosse o cara, né, como se fosse muito diferente de mim. Ou tu tá querendo se meter a esquizofrênico de novo. Na boa que tu curti esse negócio de parecer louco. É como se fosse um tesão pra ti tentar ser o mais estranho possível, mas o que tu ganha com isso? Fica fumando esses cigarros de merda, girando de um lado pro outro o tempo inteiro.

- Não, mas sinceramente, o negócio de girar tá funcionando. Sipá me ajuda a pensar melhor mesmo, sabe? Tem toda aquela coisa do círculo ser o formato perfeito, o movimento circular faz as rodas girarem, as naves giram no espaço, a terra gira em torno de si mesma e do sol, a lua também, os elétrons giram em torno do núcleo no átomo. Tem uma caralhada de coisas importantes que giram, isso é o que eu sei. Não me lembro se era o Einstein ou o Thomas Edison que ficava girando em circulos e dizia que ajudava a pensar. Talvez tenha até alguma explicação física pra isso, sei lá. Mas os cigarros são uma bosta mesmo, por mais que tenha aquela tontura boa, baixa de pressão e tal, não vale a pena se o cara comparar com a quantidade de merda que tá se botando pra dentro dos pulmões.

- Pois é, tu tem que parar com esses cigarros o quanto antes, depois o cara fica mais velho e viciado e fica cada vez mais difícil. Olha o que foi a vó, morreu quase que cuspindo o pulmão pra fora. Não é um jeito dos mais felizes de se morrer.

- Mas na real, tava pensando aqui, esse troço de eu querer tá sempre me parecendo com algum gênio é um negócio bem tosco mesmo. Como se eu tivesse no mesmo patamar de um Einstein ou um John Lennon da vida. Até parece, muita megalomania doentia mesmo. Sou só um toscão mais perdido do que variz em perna de mesa na real. Tenho que começar a focar mais os meus pensamentos, no mínimo, pra poder produzir alguma coisa mais decente do que tenho feito ultimamente.

- Sei lá, mas para de te estressar tanto com essa bosta toda, na boa que o cara não ganha nada com isso. Faz o melhor que tu puder e já era, se tu for bom mesmo algum dia vão reconhecer. E se isso não acontecer do jeito que tu quer também, que se foda, mas lembra do negócio do equilíbrio, tenta buscar a paz de espírito com o que tu tem. E agora cala a boca e apaga esse cigarro que já tá no filtro.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Bem vindo, Sudão do Sul!


Com um olhar preocupante da comunidade internacional, nasceu o 193º país do planeta. No último sábado, dia 09 de julho de 2011, o Sudão do Sul proclamou-se independente. Esse evento põe fim a mais de 40 anos de guerra civil entre o norte e o sul do Sudão, num entrevero caótico de conflitos religiosos, étnicos e pelo abundante petróleo da região sul. O novo país africano partilhará com Somália e Afeganistão os piores indicadores sociais do mundo. A população local está em festa, esperançosa por mudanças, mas o Sudão do Sul terá imensos desafios pela frente. Infelizmente, sua história escrita pelo sangue de milhões é um exemplo de o quanto o ser-humano ainda é capaz de se exterminar por conta das diferenças, ao invés de compreender que são as diferenças que fazem do planeta um lugar tão interessante.


Uma história de exploração e massacres

As grandes diferenças que dividem o Sudão são visíveis até geograficamente. Os Estados do Norte são uma área desértica, interrompida apenas pelo fértil vale do Nilo. O Sul do Sudão é coberto por vastas áreas verdes, pântanos e florestas tropicais. No século VII, durante o período da expansão islâmica na África, o país foi tomado pelos muçulmanos. O sul escapou, no entanto sua população foi frequentemente explorada por caçadores de escravos. Nos séculos XIX e XX, o Sudão foi completamente dominado por egípcios e britânicos, apenas conseguindo alcançar sua plena libertação dos ingleses em 1956, durante a onda de descolonizações africanas. País dividido entre cristãos e muçulmanos, o Sudão é importante fonte de matérias primas estratégicas. Em função da proclamação da independência, iniciaram-se choques entre habitantes do Norte, árabes e islâmicos, e do Sul, predominantemente negros e não islâmicos.

Foram duas guerras civis entre o norte e o sul, com a parte sul sempre buscando maior autonomia regional em relação ao norte islâmico. Na Primeira Guerra Civil, meio milhão de pessoas morreram durante 17 anos de guerra, entre 1955 e 1972. A Segunda Guerra Civil Sudanesa foi ainda mais sangrenta. Ocorrida de 1983 a 2005, teve início quando o governo muçulmano do norte tentou impor a Charia (legislação islâmica baseada no Corão) em todo o país, inclusive no sul, onde a maioria da população é cristã e animista. O conflito deixou aproximadamente dois milhões de mortos e outros três milhões de refugiados.



Em 2005, 21 anos após deflagrada a guerra civil, foi assinado um Acordo Abrangente de Paz, que poria fim ao conflito e estabeleceria a paz entre os rebeldes do Sul e as forças governamentais e milícias do Norte. No entanto as agressões continuaram a ocorrer, apesar do sucesso das negociações, principalmente na Região de Darfur (ler próximo tópico). Em 2005, também foi assinada a Constituição do Sudão do Sul, que previa a realização de um plebiscito para decidir sobre a soberania do país ou sua permanência dentro do Sudão.

Em janeiro de 2011 o plebiscito foi realizado, e 99% da população local decidiu sobre a independência do Sul do Sudão em relação ao Norte. Na última sexta-feira (08), o presidente do Sudão, Omal Al-Bashir, reconheceu a independência do Sudão do Sul e a proclamação oficial finalmente ocorreu no sabado, dia 09 de julho de 2011. Apesar da independência, as fronteiras entre os dois países ainda não foram totalmente definidas.


O genocídio de Darfur

Concomitantemente, em meio a sangrenta guerra civil que dividiu o país entre muçulmanos e não muçulmanos, outro grave confronto eclodiu no Sudão por motivos políticos, e virou guerra entre árabes e negros. O conflito principiou em fevereiro de 2003, na região de Darfur, rica em petróleo, também no sul do país. O ponto de partida da ofensiva foram os rebeldes negros que lutam pela separação de seu território, afirmando que o governo a qual eram subordinados agia representando apenas a elite árabe. Darfur é composta quase totalmente por negros, com atividade econômica ligada à produção de agricultura de subsistência e uma restrita parcela de nômades que criam animais.O governo sudanês respondeu de forma violenta e repressora as ofensivas dos rebeldes separatistas. Apoiados pela milícia dos árabes que habitavam o local (chamados de janjaweed), o governo esperava acabar com os rebeldes que eram de religiões e etnias diferentes.

A mídia vem descrevendo o conflito de Darfur como um caso de limpeza étnica e de genocídio. Há acusações de violações dos direitos humanos, inclusive assassinatos em massa, saques e o estupro sistemático da população não-árabe do Darfur. A maioria das ONGs trabalha com a estimativa de 400 000 mortes no confronto desde 2003. Têm sido assinados alguns acordos de paz entre as diferentes facções em conflito, mas estes nunca respeitados. Nem a presença no terreno de uma força de paz enviada pela ONU consegue manter a segurança, e o genocídio continua.

Atualmente o Sudão enfrenta uma severa crise humanitária. Todo o poder da nação está concentrado nas mãos do presidente Omar Hasan Ahmad al-Bashir, que está no comando desde um golpe militar em 1989. O presidente é acusado de patrocínio a crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Al-Bashir foi acusado de ter "planejado e implementado o extermínio" de três grupos tribais em Darfur por motivos étnicos.



O contexto do novo país

O Sudão do Sul nasce com um triste recorde: é o lugar no mundo onde mais morrem grávidas e recém-nascidos, além de quase 90% das mulheres serem analfabetas. A AIDS se espalha como epidemia. Levará muitos anos até que o Sudão do Sul possa deixar de depender da assistência internacional. Existe carência de tudo: hospitais, escolas, esgoto, iluminação, polícia. Ainda assim, as pessoas estão otimistas, pensam que a vida vai melhorar da noite para o dia com a independência, depois de décadas de guerra. Mas tamanho otimismo não ilustra bem a cruel realidade.

O fornecimento de água é administrado por empresas privadas através de caminhões tanque, que percorrem as cidades enchendo reservatórios particulares. Ao menos metade da população do país não tem acesso a água potável. A mobilidade é outra das carências do sul do Sudão. Fora da capital, Juba (que possui umas poucas ruas pavimentadas) não há mais que estradas de terra, o que dificulta o trabalho das ONGs que atendem os povoados. Nos últimos meses, começaram a retornar muitos dos refugiados que deixaram o país durante a guerra civil, e muitos outros seguirão chegando com a independência. O aumento da população pode acabar agravando a já frágil situação da região, que terá que se construir a partir do zero.

Vital para a construção do Sudão do Sul é superar a insegurança interna. Em 2011, ao menos 1.800 sul-sudaneses morreram e 150 mil foram deslocados após renovados conflitos na fronteira, segundo a ONU. Disputas por terras e reservas de petróleo nas regiões fronteiriças de ainda trazem instabilidade ao novo país. O sul abriga 80% do petróleo sudanês, mas depende das refinarias do norte para exportar. Os Estados Unidos são o principal ator internacional no país e investem em infraestrutura, para fazer frente à presença chinesa no norte. A ONU já aprovou uma força de paz para o Sudão do Sul, com 7.900 homens.

O Brasil saudou a independência do Sudão do Sul prontamente. O reconhecimento de Estado e de Governo do novo país pelo Brasil foi efetuado no mesmo dia, mediante o estabelecimento de relações diplomáticas. O país reiterou, ainda, sua disposição em cooperar e em auxiliar o novo país a alcançar seu pleno desenvolvimento. Assim seja!



*com informações dos sites Wikipédia, Estadão, Arca Universal, G1, BBC Brasil e Reuters