segunda-feira, 21 de maio de 2012

Despina: As cidades e o desejo



Há duas maneiras de se alcançar Despina: de navio ou de camelo. A cidade se apresenta de forma diferente para quem chega por terra ou por mar. 

O cameleiro que vê despontar no horizonte do planalto os pináculos dos arranha-céus, as antenas de radar, os sobressaltos das birutas brancas e vermelhas, a fumaça das chaminés, imagina um navio; sabe que é uma cidade, mas a imagina como uma embarcação que pode afastá-lo do deserto, um veleiro que esteja para zarpar, com o vento que enche as suas velas ainda não completamente soltas, ou um navio a vapor com a caldeira que vibra na carena de ferro, e imagina todos os portos, as mercadorias ultramarinas que os guindastes descarregam nos cais, as tabernas em que tripulações de diferentes bandeiras quebram garrafas na cabeça umas das outras, as janelas térreas iluminadas, cada uma com uma mulher que se penteia. 


Na neblina costeira, o marinheiro distingue a forma da corcunda de um camelo, de uma sela bordada de franjas refulgentes entre duas corcundas malhadas que avançam balançando; sabe que é uma cidade, mas a imagina como um camelo de cuja albarda pendem odres e alforjes de fruta cristalizada, vinho de tâmaras, folhas de tabaco, e vê-se ao comando de uma longa caravana que o afasta do deserto do mar rumo a um oásis de água doce à sombra cerrada das palmeiras, rumo a palácios de espessas paredes caiadas, de pátios azulejados onde as bailarinas dançam descalças e movem os braços para dentro e para fora do véu. 

Cada cidade recebe a forma do deserto a que se opõe; é assim que o cameleiro e o marinheiro vêem Despina, cidade de confim entre dois desertos.





*Do livro Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino

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