sexta-feira, 30 de julho de 2010

O hipnótico chamado de Posseidon


Aquele som que emana das raízes do planeta, o chamado incessante de Poseidon que, com seu tridente em mãos, vai orquestrando a bela sinfonia dos mares. Um maestro imprevisível, seu temperamento vai coordenando os ventos e correntes harmoniosamente. Assim, formam-se pelo mundo todo incríveis e diferentes ondas, no vaidoso gesto em que Poseidon exibe aos meros mortais a beleza de sua criação. E seu chamado perdura, o tranqüilizante som que vêm do oceano e entra em nossos tímpanos, hipnotizando a mente do surfista com imagens de tubos perfeitos. Neste ponto, já não há meios para resistir.

São 16h da tarde de uma fria quarta-feira de inverno em Torres quando os deuses do mar me chamam para brincar em seu playground. O termômetro marca 16 graus e, mesmo que o sol brilhe no céu aberto, a visão de meu velho e furado long, com seus sete anos de exaustivo uso e ainda por cima molhado pelo surf do dia anterior, me causam calafrios na espinha. Mas eu sei que vale a pena, sempre vale. Me enfio rapidamente dentro da roupa de borracha encharcada, pego o bodyboard, o pé-de-pato e saio correndo de casa em direção a orla. Cruzo as dunas da Praia Grande dolorosamente, enquanto roseiras vão se fincando nos meus pés sem ao menos terem sido convidadas. Estas dunas que, por sinal, cada vez mais vão se estabelecendo como um novo habitat ecológico de Torres, atraindo novos animais e formando açudes em conjunto com a vegetação nascente. Mas voltando ao surf, passo as dunas e enfim encaro a imensidão do mar, onde as ondas de até um metro parecem uma charada entregues a sorte do vento norte que sopra. Faço meu alongamento e então entro na água.

Entrar na água gelada do inverno é sempre um arrepiante desafio e, quando submerso para o primeiro mergulho, meu rosto parecer estar literalmente queimando de tanto frio. Mas eu sei que vale a pena, sempre vale. Vou remando pacientemente rumo ao outside, enfrentando a força das ondas com os chamados “joelhinhos”, e aproveito os momentos de maior calmaria para avançar no perímetro. Às vezes o mar me parece como um cavalo selvagem, nunca se sabe ao certo se ele vai se deixar ser domado ou não. Por isso é preciso ter persistência quando ele se mostra revolto, continuar tentando vencer a série para, depois, aproveitar o prêmio deslizando mansamente nas harmoniosas curvas do oceano. Enfim alcanço o outside, e vão se descortinando sobre mim ondas com uma boa formação, melhor do que a primeira observação do alto das dunas indicava. Vem a série e dropo minha primeira onda, que vai se enrugando, ficando cada vez mais cavada. Posiciono-me para o tubo e a massa de água se dobra sobre mim, me envolvendo no seu interior em uma sincronia perfeita. Eis o tubo, momento de maior magia no surf, quando o homem e o mar se tornam uma mesma coisa, uma energia que flui de todas as coisas boas da vida. O tubo que vai rodando hipnótico, os raros segundos onde podemos ver o mundo com os olhos da natureza, enquanto o ronco do mar vibra de alegria. Não importa que a onda me engula antes do fim, que a vaca me faça virar cambalhotas e mais cambalhotas embaixo d’água. Sempre vale a pena, sempre é um novo milagre.

Mais ondas vão mostrando suas linhas para mim, enquanto eu lentamente vou sendo levado pela corrente em direção a Prainha. Dropo mais uns dois tubos suicidas, me atiro rolando contra o lip da onda para aterrisar em algum rolo. No mar, toda a desilusão é esquecida, todas as preocupação se extinguem, só existe o surfista com a sua paz, e a certeza de que Deus existe e é bom. Atrás de mim, o céu do final de tarde vai se derretendo numa aquarela com todas as cores do arco-íris, enquanto o surreal sol que se põe parece uma alaranjada bola de fogo brincando de esconde-esconde com os prédios mais altos da cidade. Alguns minutos se passam, a água vai ficando cada vez mais congelante, o mar vai se encrespando. Decido que, enfim, é chegada a hora de partir. Escolho com carinho a minha última onda do banho, pego uma direita meio cheia e vou desenhando-a com giros de 360 graus, me deixando levar suavemente pelas espumas até a orla da Prainha. Os últimos vestígios do dia vão se apagando, e eis que surge no céu Vênus, a Estrela d’Alva, primeira e mais brilhante estrela do firmamento, como uma bússola que vai me indicando o caminho para casa. Vou caminhando pelas areias brancas observado por aves marinhas, ouvindo a apaziguadora voz do oceano e com aquela ótima sensação de dever cumprido, a própria consciência se alegra. Porque valeu a pena, o surf sempre vale à pena.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O surf


A restrita bibliografia sobre o surf aponta que seu surgimento é originário das Ilhas Polinésias, através dos povos nativos e em virtude de sua própria cultura de subsistência, no caso a pesca. Mais tarde, porém, nas ilhas do Hawaii, o surf começou a ser praticado pelos antigos reis havaianos com pranchas feitas de madeira, e lá se consolidou. Reza a lenda que, no século IX, um rei taitiano chamado Tahíto Moikeha ficou sabendo da existência das ondas mais perfeitas do planeta no Hawaii, e então decidiu se aventurar pelos mares rumo ao seu destino de surfista errante. Quando finalmente aportou na ilha de Oahu, Moikeha encontrou em Kauai as ondas perfeitas que procurava. Ao surfar, impressionou as duas filhas do rei de Kauai, que o consideravam como um deus que pairava sobre as águas, e com as duas acabou se casando, tornando-se rei de Kauai. Desde então, o surf se instalou nas raízes culturais, artísticas e religiosas dos povos das ilhas havaianas.

Outros relatos dão conta de que, muito antes deste ocorrido, antigos povos peruanos já se utilizavam de uma pequena espécie de canoa, confeccionada de junco, para deslizar sobre as ondas. Como, etnicamente, existe a possibilidade de que os primeiros havaianos tenham sido descendentes dos Incas, que se aventuraram pelo Pacífico em suas enormes canoas, a história até faz algum sentido. Porém, entre mitos e lendas, o primeiro relato concreto da existência do esporte foi feito pelo navegador inglês James Cook, em 1778, que aportou no Hawaii e descobriu o surf para o mundo, ao relatar a prática em seu diário. Na época, o navegador gostou do esporte por se tratar de uma forma de relaxamento com grande mística espiritual, mas as igrejas protestantes desestimularam por mais de cem anos a prática de surfe, pois suas raízes estariam ligadas a hábitos pagãos. Os nativos havaianos possuíam um complexo ritual religioso para a fabricação das suas pranchas, e consideravam as ondas e os prazeres de brincar nas águas do oceano uma dádiva divina.

O reconhecimento mundial veio apenas com o campeão olímpico de natação e pai do surfe moderno, o havaiano Duke Paoa Kahanamoku. Ao vencer os jogos de 1912, em Estocolmo, o atleta disse ser um surfista e passou a ser o maior divulgador do esporte no mundo. Com isso, o arquipélago e o esporte passaram a ser reconhecidos internacionalmente. Na década de 1950 o esporte popularizou-se na costa oeste dos Estados Unidos, tornando-se uma mania entre os jovens, principalmente nas praias do estado da Califórnia.No Brasil, as primeiras pranchas, então chamadas de "tábuas havainas", foram trazidas por turistas. Em 1938, surge aquela que é, provavelmente, a primeira prancha brasileira, feita pelos paulistas Osmar Gonçalves, João Roberto e Júlio Putz, a partir da matéria de uma revista americana, que detalhava medidas e o tipo de madeira a ser usada. Pesava então 80 kg e media 3,6 m. As primeiras pranchas de fibra de vidro, importadas da Califórnia, só chegaram ao Brasil em 1964.

sábado, 17 de julho de 2010

A laranja e as calamidades


Amanhecer sombrio no vale de Kratëas, na Eslováquia, onde esconde-se o pequeno vilarejo de Lotanek. Thörek, o marceneiro, sente o sopro do vento fluindo por detrás das montanhas geladas, e então um arrepio estranho corre por sua espinha. Um mau pressentimento passou por sua mente amargurada, sensação que o marceneiro só havia sentido uma vez na vida, pouco antes da morte de seu filho único, há três anos. Eis que surge um estrondo oculto por detrás da forte neblina, seguido pelo primeiro e único tremor de terra da história de Kratëas. O amargurado Thörek abriu a porta a de sua pequena cabana para verificar o que estava acontecendo, e ficou atônito ao descobrir que choviam laranjas. Pensou no quão bizarro era está situação e o quanto a vida parecia não fazer sentido. Mas foram pensamentos céleres, que logo se tornaram passado quando, literalmente, desabaram do céu toneladas e mais toneladas de laranjas, varrendo para sempre o pequeno vilarejo do mapa e pondo fim à existência de seus pacatos moradores. FIM

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O guarda-chuva


Sexta-feira. A chuva caia pesada. O velho guarda-chuva preto aberto, com sua velha estrutura aleijada, servia pela penúltima vez em sua função. Foram praticamente dois anos de parceria, uma verdadeira eternidade para um item que, historicamente, some tão facilmente quanto quebra. Dois anos aninhado junto a minha mochila, praticamente em ostracismo durante a maior parte do tempo. Mas sempre que foi preciso ele estava lá, enfrentando chuviscos e tempestades. Vai me acompanhando pela penúltima vez, na última subida da lomba. Comprado por cinco reais em um camelô. Um rápido escambo e o guarda-chuva já era aberto para sua estreia. Dois anos atrás, época de agitação, trabalho novo, novas decisões. Tempos muito diferentes, ambições muito diferentes. O mundo louco sempre girando, mas alheio a tudo o guarda-chuva estava lá. Pela penúltima vez hoje, o guarda-chuva me acompanhava até a entrada do trabalho...

... deixo o prédio da Assembleia Legislativa. Após dois anos, me despeço da rotina, novos caminhos me aguardam. Agora são apenas velhas lembranças, nostalgia. Sonhos que ficaram pelo caminho, outros que se concretizaram. A vida segue, sempre. E a chuva também segue, para o último esforço do guarda-chuva. Com dificuldade ele se abre, uma estrutura moribunda, judiada. O pequeno guarda-chuvas, pequeno guerreiro negro, o menor de todos, comprado porque ocupava pouco espaço. Acompanhando minhas pesadas passadas lomba abaixo, seus últimos momentos em minhas mãos. Chego no carro que deixarei para trás, na cidade que deixarei para trás, com as lembranças que não deixarei para trás. Fecho o guarda-chuva que deixarei para trás, o coloco delicadamente no parapeito de um prédio próximo. Seu destino não está mais em minhas mãos, sem despedidas, nunca mais. Nunca mais...

terça-feira, 6 de julho de 2010

doido mar


Ahhh, agora eu vou indo surfar
Vou remando nos sonhos e tempos
Emergindo do mar

Ahhh, essas loucas loucuras que vem
Florescendo em espumas douradas
Colorindo o mar

Ahhh, firmamento do céu se soltou
Derreteu cada nuvem rosada
Divertindo meu mar

Ahhh, toda desilusão é mentira
Toda a preocupação é mentira
Verdades só no mar