sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Nossas ruas são feitas de PEDRA(parte3)

AS DORES DE CAJU

Faz muitos anos que Caju tem no Parque da Redenção o mais próximo que ele pode chamar de uma casa. Virou morador de rua após ver o barraco onde morava pegar fogo na Vila Cruzeiro, cerca de 10 anos atrás. “Mas até já me acostumei a viver nas ruas. É tipo um estilo de vida, tá ligado?” E para conseguir sustentar este estilo de vida tão peculiar, Caju se aproveita da solidariedade dos passantes que lhe atiram moedas, ou vira cuidador de carros em algum lugar de gente bacana. Agora ele usa o dinheiro para comida e cachaça, mas no passado suas reservas iam todas para outro lugar, e tinham origens ainda menos nobres. “ Uns tempos atrás eu roubava, e a grana ia toda pra pedra. Daí fiquei preso um tempo e decidi parar, porque não queria mais voltar pra cadeia. Hoje minha cabeça funciona melhor, com certeza”

O vício na droga pegou de surpresa Caju cerca de 5 anos atrás, quando ele diz que o crack ainda era uma novidade da qual se sabia muito pouco. “Eu não imaginava que fosse ficar do jeito que fiquei, pensava que podia parar quando eu quisesse. Mas não demorou nem um mês para que eu ficasse sequelado, perdi a noção de tempo, só pensava em arranjar um dinheiro para fumar logo”. Ele diz que as vezes tinha visões estranhas quando fumava, via tudo mais colorido e se lembrava da infância feliz, quando ainda tinha a companhia da mãe e da irmã. “Minha mãe teve câncer e morreu quando eu era criança. Logo depois minha irmã ficou doente do pulmão e também se foi. Depois minha casa, que era só o que eu tinha, pegou fogo. Mas o que eu posso fazer né? É a vontade de Deus”. Caju diz que até tem uma tia com a qual tem afeição, e que possui uma casa onde ele poderia ficar. “Mas depois que nois se habituamos a viver nas ruas, não dá mais pra voltar pra casa”.


A ESCALADA DA PEDRA NO BRASIL

O crack chegou ao Brasil em meados dos anos 80, via São Paulo, onde surgiu a nossa primeira “cracolândia”. Nos últimos 20 anos, a droga vem se proliferando de maneira assustadora pelos quatro cantos do país, tornando-se problema emergencial ao poder público. No Rio, onde o Comando Vermelho proibiu que o crack fosse comercializado na década de 1990, o consumo da droga aumenta até 300% ao ano. No Distrito Federal, a pedra é considerada a droga ilícita de mais fácil acesso, com pontos de comercialização espalhados por praticamente todas as cidades satélites. De Dourados, em Mato Grosso do Sul, veio o relato de que o crack estava sendo consumido entre comunidades indígenas que vivem perto de centros urbanos, que roubam e matam para manter o vício. Considerada uma droga iminentemente urbana no passado, o crack já se espalha pelas pequenas cidades do país. Em Pernambuco a pedra já atinge o agreste e o sertão, área miserável e tradicional produtora de maconha. Na cidade histórica de Ouro Preto, jovens assumem que o crack passou a ser consumido com freqüência em repúblicas estudantis nos últimos anos.
No Rio Grande do Sul, a situação é de calamidade contra o crack, que há onze anos sequer existia no território gaúcho. A Secretaria de Saúde do RS estima que existam atualmente 50 mil viciados na droga, o que representa cerca de 0,5% da população total. A média de atendimentos psiquiátricos para pessoas viciadas na pedra em Porto Alegre é de 43,35%, a maior entre todas as capitais do Brasil. Estima-se que 11% dos usuários em crack sejam portadores do vírus HIV, em muitos casos mulheres grávidas. Nas quatro principais maternidade de Porto Alegre, nasceram no ano passado 117 crianças filhas de mães viciadas, mulheres que provavelmente perderam a coerência necessária para associar o sexo nas ruas ao uso de preservativos. A violência relaciona-se intrinsecamente à droga. Cerca de 80% da violência física gerada no Rio Grande do Sul tem origem ou ligação com o crack. A delinqüência juvenil também virou algo inato ao vício. Um levantamento realizado pelo Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca) revelou que, em 2008, 55% dos garotos envolvidos em ocorrências relacionadas a drogas estavam sob o efeito da pedra. O reflexo disso tudo se vê nas ruas, sobre as pontes e marquises escuras.
O acesso a droga é fácil para todos. Na vila Bom Jesus, a droga já é encontrada facilmente próxima ao asfalto. Na cidade Baixa, reina absoluta nas mãos dos moradores de rua. “Qual é, dos meus. Tu tem pedra ai?”, pergunto para o rapaz, sentado despreocupadamente no meio da Vila Planetário. “Tem sim, tá 10 pila pra ti”, dou-lhe o dinheiro e recebo em troca uma minúscula trouxinha de plástico azul. “E maconha, tu não tem?”, a resposta explicita quem é o novo dono do tráfico. “Maconha não tem mais, só tem pedra mesmo”. “E vende como água, né?”. O rapaz me sorri e finaliza. “É, vende bem, não dá pra reclamar”.


A venda de crack ocorre livremente na vila Planetário

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