quarta-feira, 8 de julho de 2009

O velho e a máquina


Pego uma carona na Brasília do meu avô. No caminho ao trabalho, encarcerado a um caótico trânsito típico dos dias de chuva da capital gaúcha, converso um pouco com o velho. Se é que a comunicação exercida pode ser chamada de conversa pois, apesar de ser um homem com formação, culto e inteligente, a eloquência do velho Renê se baseia em resmungos e poucas palavras decifráveis. É como se ele tivesse constituído seu próprio dialeto, remotamente compreensível mesmo para aquelas pessoas mais próximas.

- E ai vô, tudo tranqüilo na firma?
- Ah, Mais ou menos.
- Qual o problema hein?
- Tão querendo que eu use um computador. Não gosto desse bicho. É coisa pra louco.
- Mas e a máquina de escrever?
- Estragou de novo. Vou ter que fazer curso de informática agora. Coisa de maluco.
- Mas computador é um item indispensável hoje em dia. Vai facilitar um monte o teu trabalho com os contratos. Tu não vai precisar refazer tudo por causa de um erro qualquer, como na máquina de escrever.
- Guri, com uma máquina de escrever não erro nunca. Faz mais de 30 anos que faço estes mesmos contratos. Mas se dizem que tenho que usar computador, paciência. Não vou retrucar.

Fiquei pensando no dilema do meu avô. Um advogado que trabalha redigindo contratos para uma firma de exportações. Há 40 anos trabalhando com uma burocracia chata e monótona. Tentaram aposentá-lo, mas não conseguiram. Continuou fazendo a mesma coisa que fazia, de forma cada vez mais rápida e maquinal. Então queriam aposentar a sua secular companheira, a máquina de escrever. Meu avô provavelmente era um dos últimos seres a utilizarem do antiquado artefato, e realmente o utilizava com uma habilidade notável. Mas agora iria ter que livrar-se da sua velha amiga em detrimento de um aparelho muito mais moderno e avançado, com o qual não tinha nenhuma familiaridade. Um choque de gerações extremo. Uma criança de cinco anos do século 21 aprende a manusear aplicativos e softwares complexos do computador antes mesmo de saber escrever a palavra computador. Aliás, provavelmente ela irá aprender a escrever num teclado, e não com um ultrapassado lápis. É uma tarefa simples, pois esta criança já está incluída num contexto norteado pela tecnologia. Mas para Alcides é diferente pois, aos 82 anos, ele expressa nos olhos que já aprendeu da vida tudo o que tinha para aprender. Pertence a uma época diferente, baseada em outros valores, e não está acostumado a todo turbilhão de mudanças e novidades a sua volta. Um computador provavelmente não era uma figura muito bem quista em sua mente, mas se o chefe manda, deve-se abaixar a cabeça e cumprir.

Alcindo Renê (1927 - 2009) In Memoriam

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