Não
Nada
Nem cor
Nem energia
Nem esperança
Nem perseverança
Nem fantasias
Nem poesia
Nem fim
Nada
Não
Despertei um dia, via que chovia mas sentia que não podia.... nada podia, nada seria, apenas sonho viria
domingo, 27 de dezembro de 2009
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
O esforço das palavras
Não escrevo
Para nuvens incendiárias
Ainda que me encantem
As cores do crepúsculo
Tampouco escrevo
Para o céu de mil estrelas
Incrustado em diamantes
Derretendo em nebulosas
Nem mesmo para a lua crescente
Com seu sorriso quente
Nas longas e agradáveis
noites de primavera
Não escrevo para o rosa
Das extremosas floridas
Em cores se abrindo
Para a finitude da vida
Nem para as curvas suaves
Da bela silhueta desnuda
Espalhando o doce perfume
Do deleite amoroso
Muito menos escrevo
Para lembranças do passado
Que por si só se escrevem
lutando para se esquecer
Escreva apenas
Pura e simplesmente
Porque se não escrevo
Logo me aquieto
Emudeço desaparecendo
Em brumas ancestrais
sábado, 19 de dezembro de 2009
No final...
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Os citas
Especula-se que os Citas tiveram seus primeiros descendentes no ano 2000 a. C. Povos semi-nômades originários da bacía do rio Volga (hoje Rússia), se agrupavam em forma de hordas e dominaram grande parte da Europa Oriental por volta dos anos 700 a. C levando consigo o hábito proto-iraniano da cannabis, usada para a confecção de tecidos a base do cânhamo e também como erva medicinal em rituais banhos de vapor.
Eram habilidosos arqueiros, exímios jinetes e criadores de cavalos, tendo os eqüinos presentes na maioria dos suas magníficas manufaturas e adornos de ouro. Os Citas acreditavam que o ouro lhes havia sido proporcionado por seres de um só olho, que o haviam roubado dos mitológicos grifos. Os seus monarcas eram enterrados em grandes túmulos, juntamente com seus melhores cavalos, concubinas e servos (previamente executados para a cerimônia). Em contraponto, algumas tribos citas costumavam não enterrar seus mortos, esperando que estes fossem devorados pelos abutres no que significava um sinal de boa sorte.
Destacavam-se na arte da guerra, sendo sua marca registrada o uso de capacetes adornados de grandes chifres. O grande processo expancionista persa, realizado por Darío I (que conquistou grande parte do Mundo Antigo), fracassou ao tentar conquistar a região ocupada pelos citas. Apesar de possuírem um contigente imensamente menor que o do exército persa, os citas se valiam de sofisticadas técnicas de emboscada e de seu fator nômade para fazer fracassar o avanço inimigo.
Seus conterrâneos os consideravam muito selvagens por seu hábito de beber o sangue de sua primeira vítima em uma batalha, e por um traje peculiar composto do couro cabeludo escalpelado de suas vítimas de guerra. Também costumavam utilizar crânios humanos como vasilhas para o consumo do kumis (bebida alcóolica a base de leite de égua). Muitos dos costumes dos citas foram posteriormente adotados pelos hunos. Atribui-se principalmente aos magiares da Hungria e ao Ossétianos do Cáucaso a descendência dos citas nos tempos modernos.
Só para constar...
domingo, 13 de dezembro de 2009
Um bom lugar
Pois que há uma pequena cidade
Um lugarejo pacato e tranquilo
Onde as coisas são uma cousa
E muitas outras cousas também
Onde o rio é uma serpente
Sinuosa e complacente
E um mar que é de água doce
Numa fronteira de dois povos
Idênticos em suas diferenças
Onde há uma pequena ilhota
Que é gigantesca montanha
Perdida no oceano profundo
Refugio de lobos e leões árticos
Que são peixes, mas não o são
Onde uma areia vai crescendo
Em altas dunas que vão nascendo
E de repente viram florestas
Na qual se ocultam matilhas
De mansos cães selvagens
Onde há morros tão verdejantes
Findados em penhascos traiçoeiros
Que são cavernas enigmáticas
E também são cegueira alva
Durante os eternos nevoeiros
Onde o mar é tão sereno
Dormente em sonhos tranqüilos
E quando acorda é truculento
Bradando turrão ao vento
Estourando em ondas de fúria
Onde há um céu que é espelho
Para o mar refletido em lua
E que permanece estrelado
Nas noites de sol nascente
Da iluminada alvorada escura
Finalmente há um pescador
Que dizem ser ignorante
Que dizem ser alienado
Mas de todos é o mais sábio
Pois entende a beleza das coisas
Vive a magia das coisas
Enxergando todas as cousas
Sem sequer precisar ver
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
A mitologia Iorubá e o homem-lama-marrom
Olorum criou o mundo, todas as águas e terras e todos os filhos das águas e do seio das terras. Criou plantas e animais de todas as cores e tamanhos. Até que ordenou que Oxalá criasse o homem.
Oxalá criou o homem a partir do ferro e depois da madeira, mas ambos eram rígidos demais. Criou o homem de pedra, mas este era muito frio. Tentou a água, mas o ser não tomava forma definida. Tentou o fogo, mas a criatura se consumiu no próprio fogo. Fez um ser de ar que depois de pronto retornou ao que era, apenas ar. Tentou, ainda, o azeite e o vinho sem êxito.
Triste pelas suas tentativas infecundas, Oxalá sentou-se à beira do rio, de onde Nanã emergiu indagando-o sobre a sua preocupação. Oxalá fala sobre o seu insucesso. Nanã mergulha e retorna da profundeza do rio e lhe entrega lama. Mergulha novamente e lhe traz mais lama. Oxalá, então, cria o homem e percebe que ele é flexível, capaz de mover os olhos, os braços, as pernas e, então, sopra-lhe a vida.
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
flor-do-paraíso
Quantas coisas brotam
Num coração desalentado
Ao ver o sol postado
Tão airoso, tão alto
Suas pequenas carícias
arrepiando de mansinho
as pelúcias das nuvens
Doce amor primaveril
Se espalhando matreiro
nos enervados elogios
dos bem-te-vis
as abelhinhas
que amiúde vão construindo
seu castelo colorido
entre as flores coloradas
tão certo chamadas
de flores-do-paraíso
E é tão guapa a tristeza
deste quadro eternizado
No vazio de um pensamento
tão perdido e solitário
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
O sonho
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Experifactus drumnas insandencidades
.....A maça de doces nachos quentes surge onde a verde macarronada dançarina posta seus empastelados jabutis, deixando siempre claro de onde vem a desunião das corcovas naftalinas. Rufam as portas de pumpum faz coco e entonces os marimbondos imundos e abutres do globo cospem nas telas de begônias, haciendo pulverizar a estranha servidão neo-pentecostal do advérbio female(que contava com apoio das feijoadas a base de cú desenvolvidas em laboratórios suicidas). É por essa que o velho John Farsiulugu Rasmulokin du Pé Chato recitava, em suas verticais profecias do sagrado satanismo de Jesalabuda sobre tirania em Hisglano-Sina,as travessuras do gato Dreznindyka Guterres (que bebia da urina vomitada das narinas de Plutão e saia flyando por ai, mas sempre preso no chão).....
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Desconstrutivismo Antropofágico
O brasileiro, signo de misturas, vendido por muito tempo ao colonialismo ideológico cultural europeu e norte americano, escravidão da mente, placebo ignóbil, vazio de identidade. Estamos caindo, caindo, caindo no abismo do niilismo atomizado do nada, um novo dilúvio com centenas de Noés desorientados. A antropofagia é o caminho, devorando bravos guerreiros, ignorando o pressuposto de generalização cultural, buscando a descentralização, lutando pela identidade nacional pura, pura, brasileira, tupiniquim. O homem só não utiliza ao máximo seu potencial porque tem medo de encarar e querer a subjetividade de outrém. O experimentalismo é mágico e lindo, evoquem o contexto mestiço, a liberdade para investir apenas o que interessa num sistema de pensamento novo, idealizem o primitivo e a irreverente mistura que ignora hierarquias culturais. Não há humanidade boa ou má, tudo é igualmente bastardo, nunca aderir absolutamente a qualquer sistema de referência, “contra todos os importadores de consciência enlatada, a existência palpável da vida”. Matem o racionalismo europeu exacerbado, inibidor do sentimentalismo carnavalesco do
indio-negro-mestiço-branco-chinês-da-cabeça-chata brasileiro,esta erudição imitada que mente para si mesma, deprimindo o povo coni-conveniente. Idealizem a vida como vida vivida, e não os simulacro do real, extraditem o gordo Papai Noel de volta para sua fria neve. Fiquem nús, mostrem a beleza verdadeira dos corpos desnudos, desconstruam as mentiras impostas e lutem sempre, sempre, sempre, sempre.
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Análise metasurrealista do fime Eraserhead, de David Lynch
"Quem luta com monstros deve velar para que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti" - Friedrich Nietzsche
Eu tento dormir, mas não posso, minha cabeça quer explodir. Ela precisa explodir, sabe que é o melhor que tem a fazer. Além disso os pesadelos são horríveis, os vermes tem dentes enormes. É melhor ficar acordado mesmo, apesar da total exaustão causada por 80 horas ininterruptas sem sono. O mundo parece ter desaparecido completamente a minha volta. Não tenho mais emprego, amigos, família ou qualquer coisa. A televisão não tem mais sinal, as portas do apartamento estão todas trancadas. Agora, só existimos eu e o MONSTRO, não há tempo, e o espaço é restrito ao que nossos olhos vêem. As vezes até mais curto que isto.
Tento comer umas bolachas, mas de que adianta? A comida não tem qualquer sabor, porém também não sinto mais fome. As frutas estão ficando todas podres e enchem-se de larvas nojentas e gordas. As plantas morreram, o cachorro morreu de fome, todas as coisas estão morrendo. Não há mais salvação, tudo está perdido. Só o que cresce são estes vermes malditos e o MONSTRO, que fica cada vez maior e grita cada vez mais alto. Seu choro não é um choro humano, mas o guincho dum tipo de sapo agonizante, martelando insistentemente no meu cérebro debilitado.
Vou ao banheiro e minha urina vem acompanhada de uma dor lancinante, pois pela uretra dilatada saem esguichos de sangue com pequenas larvas, abortos involuntários de um corpo cada vez mais degenerado em si. Os vermes, ainda perdidos no pandemônio do momento, lentamente vão subindo as paredes da privada, saindo em busca de comida para enxertar suas feias carcaças. Tento me olhar no espelho, contudo percebo que não tenho mais reflexo. No lugar da minha cabeça, só consigo enxergar a cabeça do MONSTRO.
Me vou lentamente até o quarto onde chora o MONSTRO. Abro a porta. É o único lugar quente do apartamento, todos os outros cômodos estão muito gelados. Deitado sobre a cama, uma pulsante geleia visceral amorfa, e a cabeça deformada com uma boca em forma de ferida aberta. Por todos os lados uma infinidade de vermes. Não mato mais estes vermes, pois dos restos de um acabam brotando outros três ou quatro. São uma praga incontrolável, começaram vindo em minhas fezes, agora estão em toda a parte.
Não sei ao certo quando isso tudo teve início. Pode ter sido há uma semana, um ano ou uma eternidade. Perdi a noção do tempo a nem sei quanto tempo. Só lembro que um dia o MONSTRO foi deixado em minha porta, numa cesta sem bilhete. Por mais bizarro que parecesse, não fui capaz de deixar aquele ser morrer a míngua. Na verdade me sentia muito próximo daquela coisa, como se ela fosse parte de mim. E estava lá, pequeno, indefeso, então eu dei comida para ele. Minha mulher não gostou da idéia, mas também sentia pena, não se opôs completamente.
De início não chorava tanto, apenas quando queria comida. O alimentava-mos umas três vezes ao dia, ele se saciava e parecia dormir. Ficava numa pequena caixa forrada no quarto de hóspedes. Quando saia para trabalhar, minha mulher tomava conta dele. Então, começaram os pesadelos, os vermes que comiam primeiro a minha carcaça, depois o cérebro. E o MONSTRO ficou doente, chorava cada vez mais e mais, e por isso precisava de cada vez mais e mais atenção. Minha mulher perdeu a paciência, pediu para que me livrasse dele. Mas eu não podia fazer isso, não podia deixar o MONSTRO morrer, ele estava ali completamente frágil, era minha obrigação protegê-lo. Comecei a ficar relapso no trabalho, deixei qualquer tipo de vida social de lado, parei de assistir televisão. Só queria que o MONSTRO se recuperasse logo, vivia para cuidar dele. Mal percebi quando minha mulher me abandonou. Meu emprego simplesmente esqueci, o telefone ficou mudo por falta de pagamento, o cão implorava em vão por comida. A campainha tocou algumas vezes, mas fingi que não estava, não queria ver ninguém. Enquanto isso, o monstro se recuperara da doença, mas agora estava maior, e chorava mais. Nisso já haviam muitas larvas espalhadas pela casa também, mas em minha ignorância eu as matava para que não machucassem o MONSTRO.
Os pesadelos eram cada vez mais freqüentes, envoltos numa confusão de signos sagrados, demônios e vermes. A morte rondava meu inconsciente, figurava incômoda, contudo paradoxalmente piedosa. Mas em geral não conseguia dormir mais que umas poucas horas, pois o MONSTRO guinchava alto, precisava de atenção para se calar. Sentia meu corpo todo deveras debilitado, enxaquecas horríveis pareciam alertar o absurdo daquela situação. Comia muito pouco, mas o MONSTRO devorava tudo a sua volta. Não entendia de onde saiam tantos vermes, comecei a ficar impaciente. Tinha que sair de casa, comprar alimentos, pegar um ar fresco. Mas a porta estava incrivelmente pesada, e eu me sentia tão exausto que decidi ficar mesmo no apartamento.
Em pouco tempo o esmero irracional que eu tinha para com o MONSTRO foi minguando até tornar-se em uma raiva exposta. Seu choro estava me enlouquecendo, não sabia o que fazer para cala-lo. Num lapso de consciência tardio, percebi que havia arruinado minha própria vida por causa daquela coisa. Ainda que me sentisse ligado a ele, como se fosse uma parte repulsiva da minha essência instintiva, agora sabia que o melhor a fazer era acabar com tudo de vez. Fui até a cozinha e o cão estava lá, morto, putrefato, repleto de larvas. Não dei muita atenção, o cheiro não incomodava. Peguei a faca mais afiada e me dirigi ao quarto anexo.
O MONSTRO estava lá, berrando como sempre, mas se calou quando cheguei. Com seus olhos de bagre, cinzentos e vazios, observava com curiosidade o artefato. Parecia tranqüilo, até alegre em minha presença. Acabei hesitando um momento frente a fragilidade daquela criatura, afinal não era do meu feitio uma atitude tão brutal. Mas não, não estava certo, aquela loucura tinha que terminar! Abri lentamente o manto que recobria o minúsculo corpanzil do MONSTRO. Percebi que ali haviam órgãos dispersos num emaranhado de ossos mal formados, mas era latente a falta de um tecido capaz de revestir o núcleo. Haviam vermes dentro dele, rastejando de lá para cá. O MONSTRO começou a chorar novamente. Logo encontrei aquele que seria o seu coração, pulsando rapidamente frente a proximidade da faca. Num golpe rápido e intuitivo, o choro cessou.
Tudo havia acabado, o monstro estava morto. Sem remorsos, cobri o pequeno cadáver com uma toalha e afundei na cama...
“... está tudo bem. os vermes caem do teto, surgem por todos os lados. Vou esmagando um por um com fúria e crueldade. Está tudo bem. Com um lança chamas vou instantaneamente carbonizando dezenas. Golpes violentos com um gigantesco martelo dourado destroçam mais alguns, abrindo fendas no chão por onde outros caem. O chão se fecha, não possibilita que eles voltem. Está tudo bem. As carcaças das nojentas criaturas se espalham num mar de fluidos verde, jazem estáticas no chão e nada brota da gosma. Está tudo bem...
... Não caem mais vermes do teto, que em ondas vai mudando de coloração. Estranha hipnose. Um piar de pássaros ecoa longe. Está tudo bem. O teto parece estar se aproximando numa dança em lilás e verde. O piar se torna o assobio de uma chaleira ao ficar mais audível. Está tudo bem. As paredes começam támbém caminham em minha direção. A gosma verde borbulha. O teto fica negro em sua totalidade e já não posso me manter de pé. Está tudo bem. Tenho que me agachar, o espaço vai se tornando cada vez mais restrito, e tudo está escuro fora o chão verde que vai se moldando numa estranha forma. O assobio agora assume tons agudos insuportáveis para meu cérebro. Paredes e teto me comprimem deitado no chão em fusão com a putrefata massa verde que virou o MONSTRO. Começo a vomitar e só termino quando me sufoco em meus próprio dejetos, com um olhar vidrado dentro da mente do MONSTRO, ouvindo os berros de um lamento eterno...”
O choro do MONSTRO. Ele estava lá, retornado do inferno, no mesmo lugar e ainda maior. Acordei num pesadelo. Tentei matá-lo diversas outras vezes de diversas outras formas, mas ele sempre retornava, cada vez maior, uma massa disforme e a cabeça abortada. Repleto de vermes. Alimentava-se dos vermes, alimentava-se de si mesmo. Então desisti, percebi que não haveria fim. Pois eu criei o MONSTRO, eu o tornei forte, invencível, não tenho mais como impedir que se sobressaia. Dei-lhe minha força, meus sonhos, minhas alegrias, minha vida. O MONSTRO sou eu, e de mim sobrou apenas medo e preguiça.
O tempo esta morrendo, as cores estão morrendo, não existe mais nada para se ver. O espaço está cada vez mais fechado em si, rodopiando confuso nas curvas do tempo. As janelas dão para uma parede de tijolos cinzas, espalhando-se monotonamente, eternamente, por todos os lados do horizonte aprisionam minha vista. As portas estão trancadas, e mesmo que estivessem abertas não tenho força para sair. Tudo é frio, mas logo irá acabar. Me deito ao lado do MONSTRO que sossega na minha presença, e observo os vermes passeando pelas paredes apodrecidas que começam a se desfazer. Eles também passeiam sobre mim, saem da minha boca, entram em meus ouvidos, choram por meus olhos. Minha cabeça se desprende do corpo, flutua fora de órbita tranqüila, pois vai explodir. Está tudo bem.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
50
Quinquagésima postagem. Agradeço a todos que aguentaram até agora.
Aproveito o espaço para afirmar o óbvio: David Lynch é um ET.
cera dus uvidu é bão! huhuhuhu
Aproveito o espaço para afirmar o óbvio: David Lynch é um ET.
cera dus uvidu é bão! huhuhuhu
Do reino de Daslomba
Pois numa de minhas viagens conheci Fergêncio Pavão, que se tratava de um obeso mórbido, tremendo flatulento. Seus peidos eram famosos pela extrema retumbância, ecoavam alto por quilômetros, transpassando montanhas e vales inteiros. Em Daslomba, terra em que vivia para lá do Mar Austral do Norte, era tido como divindade, e era encarregado pela realeza de soltar seus gases antes das grandes festividades e nas oferendas a Espolustro, deus do Trovão. Na verdade este era um ritual tido como sagrado naquele pequeno reino encravado no meio das montanhas, um dom que era passado de pai para filho desde tempos imemoráveis.O ludibriante odor do peido era considerado purificador, e espantava os espíritos malignos.
Não se sabe que espécie de força divina ou mutação gênica havia nesta sagrada linhagem flátula, mas é interessante observar que todas as mulheres que pariam os Gasneas, como eram conhecidos, deveriam ser moças ruivas com 16 anos, cegas e sem pernas. Por isso era estimulada a proliferação entre ruivos em Daslomba. Porém, caso ainda assim não houvesse o espécime ideal para a reprodução, uma moça era escolhida para ter suas perna decepadas, seus olhos arrancados ou ambas as opções. Essa moça era considerada uma abençoada pelos deuses, uma sortuda.
Fui embora de Daslomba alguns meses depois, rumo as terras desconhecidas do Oriente Leproso, mas sempre guardei na memória esta fascinante estória. Certa feita, muitos anos mais tarde, fiquei entristecido ao saber por um caixeiro viajante que Daslomba havia se extinguido, após o brutal assassínio de Fergêncio Pavão. Atingido por uma flexada certeira de um jovem ateu, conta-se que explodiu quando morto, e encaminhando o último peido fez a terra tremer num devastador terremoto, que engoliu o reino inteiro. Uns poucos ruivos sobraram, e iniciaram a grande diáspora ruiva ao redor do globo.
terça-feira, 27 de outubro de 2009
terra e trovão
domingo, 25 de outubro de 2009
gatos
aunque la lluvia
se esparce
y la noche
tarde a porvenir
Lo gatito
alborotado
se va llorando
en el amor
se esparce
y la noche
tarde a porvenir
Lo gatito
alborotado
se va llorando
en el amor
sábado, 24 de outubro de 2009
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Soledad traicionera
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
poemito da trepada
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Teoría de Conjuntos
domingo, 18 de outubro de 2009
Impressões de um final de tarde qualquer
Sentado na dura cadeira da varanda, vou sorvendo lentamente o mate e deixo penetrar em minha alma o resplendor dos últimos raios de sol. O majestoso balé de cores vai minguando sem pressa, anunciando que o prelúdio de uma nova noite não tardará a vir. Da amoreira carregada posso ouvir o piar dos pardais saciados, enquanto o sabiá pousado na retorcida tipuana observa o cenário com atenção. Timidamente, na imensidão do vazio infinito, vão cintilando as primeiras estrelas dum céu limpo, seu brilho tênue e esparso contrastando com a escuridão absoluta que perpetua-se pela rua pacata. A leve brisa faz sussurrar morosamente as folhas dos butiás, carregando para longe todas as angústias de mais um dia. Deitada ao meu lado, a fiel companheira canina dorme serenamente, indicando que tudo está em paz como sempre deveria ser.
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Os discípulos de Shihabedin Fazlullach Naime Tebrizi Azterabadi al-Hurufi
Os hurufitas, doutrina originária da Ásia Central, eram cultuadores de números místicos, cabalistas e adivinhos. Acreditavam que a origem do mundo está nos números 28 e 32. Com a ajuda destas cifras, seria possível esclarecer o segredo de todas as coisas.
Segundo estes místicos, Deus manifestava-se por intermédio da beleza. Quanto mais bela era a obra, tanto maior a manifestação divina. Era este o critério que recorriam para avaliar qualquer fenômeno.
Seu grande líder foi Shihabedin Fazlullach Naime Tebrizi Azterabadi al-Hurufi, morto no Azerbaijão pela inquisição muçulmana, por volta do ano 1400.
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Como interesses estadounidenses derrubam presidentes brasileiros
*Informações retiradas do livro “As Veias Abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano
1952 - Um acordo militar assinado com os EUA proíbe o Brasil de vender ferro aos Países Socialistas. Getúlio Vargas desobedeceu o acordo, vendeu o ferro para Polônia e Tchecoslováquia a preços muito mais altos que os EUA pagavam. As pressões norte-americanas sobre Getúlio foram enormes, podendo ser uma das causas de sua trágica queda.
1957 – A Hanna Minning Co. compra, por 6 milhões de dólares, a maioria das ações da Saint John Mining Co., que explorava ouro desde os tempos do Império. Localizada no Vale do Paraopeba, em MG, estima-se em 200 bilhões de dólares (na época, hoje isso corresponde a muito mais dinheiro) o patrimônio mineral do local comprado pela Hanna, maior reserva do mundo em ferro. Constitucionalmente, porém a Hanna não teria direitos de explorar o ferro no local, mas...
O diretor-presidente da Hanna era George Humphrey, que coincidentemente também Secretário do Tesouro dos EUA e diretor do banco norte-americano de finaciamentos ao comércio exterior. Com isso a Hanna conseguiu os vultuosos empréstimos necessários para financiar a exploração do ferro em Minas Gerais. Além disso, advogados, assessores e diretores da empresa ocupavam cargos estratégicos no primeiro escalão da política brasileira. Abutres do coronelismo como a família Bulhões, Roberto Campos, Lucas Lopes, todos ministros, deputados ou diretores militares de importantes orgãos públicos no Brasil e que obviamente tinham interesse nos vultuosos ganhos da Hanna. Foi assim que começou o mais furioso e poderoso lobby da história recente em nosso país, em busca da cessão para a Hanna dos direitos de exploração do ferro em MG, que constitucionalmente pertencem a união.
1961 – No dia 21 de agosto, Jânio Quadros assina resolução que anula autorizações ilegais de exploração concedidas a Hanna, repatriando o ferro do Paraopeba. Quatro dias depois, ministros obrigam Jânio a renunciar. “Forças terríveis se levantaram contra mim”, diz ele em seu discurso de renúncia.
1962 – Lincoln Gordon, embaixador americano, protesta ao presidente João Goulart contra o “atentado do governo brasileiro aos interesses dos norte-americanos”, pedindo que seja aprovada a concessão de exploração para a Hanna. O poder Judiciário já havia ratificado a moção do ex-presidente Jânio Quadros contrário a Hanna, mas Jango vacilava em dar o ponto final devido a grande pressão externa. Enquanto isso, o Brasil negociava um entreposto comercial para venda de ferro aos países europeus, alguns socialistas, o que influenciaria drasticamente no manejo dos preço das jazidas de ferro. As grandes empresas exploradoras, como a Hanna, não queriam que o Brasil vendesse o ferro mais barato, o que reduziria substancialmente o seu lucro, portanto se posicionaram contra este entreposto.
1964 - Enfim, num golpe maquinado pelos EUA, com apoio implícito dos diversos políticos da Hanna espalhados por Brasil e Estados Unidos, Jango é derrubado, acusado de incitar alianças com o comunismo. Homens da Hanna passaram a ocupar a vice-presidência (José Maria Alkmin) e três dos ministérios no primeiro mandato militar. Sobre o episódio, a revista Fortune escreve: “Para a Hanna, a revolta que derrubou Goulart chegou como um destes resgates de último minuto pelos primeiros da Cavalaria”. Já o Washington Star publicou: "Eis uma situação onde um bom e eficiente golpe de estado, no velho estilo dos militares conservadores, bem pode servir aos interesses da América" No dia 24 de dezembro, o presidente Castelo Branco concede o direito de exploração do minério de ferro a Hanna no vale do Paraopeba.
terça-feira, 29 de setembro de 2009
A caldeira
Não raro, ruídos estranhos emanam do mal iluminado e eternamente úmido deposito, principalmente nas noites de forte tormenta do inverno porto-alegrense.
Provavelmente trata-se de algum trabalho tardio da velha caldeira elétrica que ali se posta, no porão onde hoje repousam entulhos e restos de uma mobília apodrecida.
Algumas das funções do referido utensílio, que antes fornecia o aquecimento central aos cômodos, continuam vivas, espalhando-se pela enferrujada tubulação conjunta da casa.
O curioso é que, desde tempos a muito esquecidos, a caldeira está desligada.
Acho que ninguém jamais se prestou a investigar como isso ocorre ao certo.
Como um objeto, comprovadamente inoperante, adquire caráter ativo sem ação manual?
Também sei que jamais se prestaram a investigar porque tantos ratos aparecem misteriosamente mortos no mesmo porão.
Enfim, esta ação espontânea, advinda da caldeira, faz com que os vários lugares onde existem entradas de ar sejam, ocasionalmente, acometidos por uma cacofonia inesperada, semelhantes ao de uma grande máquina à trabalhar.
A casa vive, digamos assim.
E é justamente em meu quarto que estes sons tornam-se mais nítidos, certamente por sua localização estratégica logo abaixo do depósito.
Sinto que, em certas ocasiões, os sons que saem da máquina assumem clara articulação fonética, inclusive por vezes repetida, onde uma mensagem oculta é sibilada por uma entidade existente na mansão, porém sem um aspecto corpóreo definido.
A casa fala, digamos assim.
Já tentei, em, vão compreender a mensagem, mas afinal a especulada linguagem não cria imagens sonoras inteligíveis ao meu cérebro.
Certas vezes penso estar louco.
Creio que tais situações devem ser apenas criações de minha mente, acometida ao certo pelos delírios da solidão freqüentemente presentes no mausoléu agonizante.
Mas suponhamos que, e claro que isto não pode ser nada além de especulação, realmente existam certas vozes.
Suponhamos que elas venham daqueles muitos seres moribundos cujos corações cessaram na gigante catacumba.
Na casa onde alicerces ganham vida a partir de um maquinário irrefutavelmente morto.
Não seriam as almas perturbadas o alimento preciso para a fome da voraz caldeira?
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Tudo são piões
Na velhice,
vão-se os preconceitos,
O espirito finalmente compreende o mundo,
e como as coisas são.
Pois aquele velho,
sentado na varanda em sua cadeira de balanço,
sentindo a brisa morna do prelúdio primaveril,
vê as pessoas passando,
como sempre passaram,
os ipês e jacarandás pelados,
como sempre nesta época estiveram,
Ele sabe muito bem que,
no final das contas,
tudo é cíclico,
As estórias se repetem,
Os medos e apetites são os mesmos,
E a vida não é mais que pura poesia,
sensações,
escritas em metáforas
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
As potencialidades do pensamento pré-adormecido
Os pensamentos conscientes deveriam cessar quando finda o dia, quando a mente pede por repouso após mais um dia de exaustivos esforços. Mas é aparentemente no silêncio da madrugada, apenas com o som distante dos primeiros pássaros despertos, que surge em mim um estranho vislumbre criativo.
O raro momento em que o corpo já descansa, mas o cérebro continua seus trabalhos, e onde as desconexas idéias anteriormente trabalhadas assumem uma forma mais clara. Um momento em que são tomadas importantes decisões organizacionais relativas a própria transposição das capacidades abstratas para um plano mais objetivo. No instante em que fechamos os olhos buscando dormir, nos distanciamos das pressões externas naturalmente impostas em todas nossas ações, quanto estrutura do complexo contexto social que é a vida. Ficamos então a sós com o pensamento, num processo de profunda reflexão introspectiva que em parte é incoerente com a premissa básica que se espera da atividade de adormecer, no caso repouso físico e mental.
Muitas pessoas ficam deveras angustiadas com este processo, que é causado sobretudo pelas próprias angústias pessoais. Enfim, o fato é que existe nesta introspecção noturna grande potencial também, sobretudo aos dotados de maiores capacidade de abstração. Portanto é sempre bom ter, na cômoda ao lado da cama, papel e caneta a postos, porque nunca se sabe quando poderá germinar uma grande idéia. E não seria atitude segura delegar a memória a tarefa da lembrança até o dia seguinte, pois por mais altruístas e louváveis que sejam suas intenções, a memória, tal qual o bom bêbado, é facilmente passível de esquecimentos.
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
Nossas ruas são feitas de PEDRA (final)
ENTREVISTA: RAPPER DOGG
“O grande traficante é o político no carro importado”
Luís Daniel de Oliveira nasceu na periferia de Alvorada, e viveu boa parte da vida na cotidiana miséria das favelas. Sua escola foi a das ruas. Começou cedo no crime, se envolveu no tráfico de drogas, foi preso por diversas vezes e acabou viciado em crack. Na pedra, sentia prazer pela proximidade com a morte. Porém, a partir de uma inabalável fé e da força de vontade, Luís Daniel começou a traçar um novo caminho. Tornou-se Rapper Dogg, e passou a usar o rap e o cinema para divulgar uma visão do mundo vivida por muitos, mas conhecida por poucos: a dos excluídos. Lançou dois documentários sobre as mazelas do crack na sociedade, “Vítimas do Crack” e “A Maldição da Pedra”, este último premiado no Festival de Cinema de Gramado em 2008.
Primeiramente, gostaria que você falasse um pouco sobre a sua história antes de se tornar documentarista e rapper.
A minha infância toda foi dentro do crime e com a droga muito presente. Comecei no cigarro, depois maconha, álcool e assim foi progredindo para drogas mais pesadas. Não ficava na escola, tinha muitas evasões, minha vida toda foi nas ruas mesmo. Como sempre faltava dinheiro para tudo, comecei com o crime: roubava motos, supermercados, lojas. Parte do dinheiro era pra comprar minhas coisas e a outra ia para o uso de drogas. Me envolvi com um pessoal que fazia “Conexão Paraguaia”, roubava carros importados que eram vendidos no Paraguai . Muito novo eu conheci a FEBEM, por onde passei diversas vezes. Quando atingi a maioridade só mudou o endereço, fui preso várias vezes e na cadeia conheci a verdadeira escola do crime. Comecei a traficar crack dentro do Presídio Central mesmo, que era o jeito que tinha para sustentar minha família. A droga vinha para mim via semi-aberto e era passada para o pessoal de dentro.
Qual eram os efeitos que tu sentia quando consumia o crack?
Primeiro uma sensação de poder muito grande e uma felicidade momentânea, tu fica elétrico, perde a fome. Depois começa o lado ruim, tu fica deprimido por estar usando uma coisa que te destrói por dentro, desestrutura a família. O crack remete a muitas coisas do passado, faz voltar lembranças que tu quer esquecer mas não consegue. Cada vez que o tu dá uma cachimbada acaba pensando em coisas negativas, tem visões, fica paranóico achando que alguém quer pegar te pagar. Tu vê muitos vultos de almas que ainda não descansaram, gente que nem existe mais. A pedra te associa ao mal que existe no mundo, tu perde a luz espiritual e a vontade de viver. A idéia de morrer é a que mais te agrada.
O que o fez largar o vício da pedra e se transformar num lutador das causas pelos direitos humanos dos marginalizados?
Eu me apeguei muito em Deus, pois no momento que tu tem uma fé, algo no que acreditar, tu te apega nesta fé e se fortalece contra todos os males. Também o apoio da família é fundamental, uma esperança que te fortaleça. No meu caso, a vontade de ver meus filhos crescendo num mundo melhor, em que não tenham que presenciar o horror que eu presenciei, me fez parar com o crack. Mas essa vontade de parar tem que partir do próprio viciado, senão não adianta nada. Hoje estou livre de todas as drogas, pois entendi o quanto o vício me prejudicava. O cinema e o rap se tornaram as minhas ferramentas para denunciar essa maldição que o crack se tornou, além das injustiças sociais que acontecem todos os dias dentro da favela e muitos não vêem que muitos não vêem.
Como a pedra se espalhou no sistema prisional gaúcho?
A pedra é antiga nos presídios, eu já vendia desde 97, e hoje já está completamente proliferada no sistema. Estas guerras dentro das comunidades, “tomaçadas” de boca e tudo mais, começaram com o crack dentro da cadeia e se espalharam para a favela. Muitas destas rebeliões que se vê na TV são por causa da pedra. As prisões estão sucateadas e repletas de viciados que fazem de tudo pelo crack, mas a sociedade sempre fechou os olhos.
O que seduz tanto os jovens, principalmente os mais pobres, a entrarem no mundo das drogas e, consequentemente, do crack?
O filho que não tem o pai presente, a própria curiosidade para saber qual a sensação de estar chapado. Não há mais conversa, o diálogo familiar está muito pobre, principalmente na periferia onde falta maior informação. Nas favelas também tem a questão da desigualdade social, jovens que não tem nada e que viraram lixo perante os olhos da sociedade. Ai essa pessoa, que convive o tempo todo com a droga, acaba entrando nesse submundo, perde o amor pela vida e cai de vez na pedra. E o pior é que isso está começando cada vez mais cedo. Hoje tu vê muita criança de 10 anos que já foi vitimada pelo crack. Por isso deve-se trabalhar forte nas escolas com a questão da prevenção, para que os jovens tenham noção do poder destrutivo da pedra.
Como é a presença do crack nas favelas?
A presença do crack é muito forte nas favelas. Ele já esta sendo elaborado dentro da periferia, com laboratórios caseiros no quintal de casa refinando as pedras. Quem vende crack não tem noção do mal que está fazendo, pois eles estão destruindo o seu próprio povo. O viciado faz qualquer coisa para ter a droga, começa a roubar dentro de casa, depois na favela, acaba se tornando um problema dentro da sua própria comunidade. O crack destrói até o funcionamento da favela.
Que drogas mais dão lucros para o tráfico?
O crack é a droga que mais vende, junto com a cocaína. A maconha rende pouco em relação a estas. Só que o crack é uma droga urbana, pois o usuário vive nas ruas, portanto próximo de toda agitação. Por isso é tão fácil comprar a pedra, os próprios viciados acabam se tornando vapores, vendendo cinco papelotes para depois poderem fumar um. A boca só faz a distribuição mesmo. E a pedra, como tá sendo feita dentro das próprias favelas, acaba rendendo mais pelas mãos dos traficantes.
Qual a potência do crack gaúcho?
O crack no Rio Grande do Sul é um dos mais fortes que existe, pois ele é pura mistura. Aqui o traficante, na hora do refino da pedra, adiciona bicarbonato e outros produtos que façam com que a droga renda mais. Dizem que o merla (subproduto da cocaína tão nocivo quanto o crack, e que contém ácido sulfúrico em sua composição) chegou ao nosso estado, mas isso é mentira, o que nós temos é um crack mais poderoso que os outros. Esse excesso de mistura faz com que a droga tenha um efeito menor, o que leva o usuário a consumi-la cada vez mais. O tráfico de crack não tem escrúpulos, só quer saber de ganhar mais dinheiro, alguns até misturam com a maconha pra tentar criar novos viciados.
A pedra chegou aos moradores de rua ou levou gente que antes tinha casa direto para a sarjeta?
O que acontece é que com o crack a pessoa perde tudo, inclusive o respeito da família e da comunidade. É por isso muitos usuários acabam sendo expulsos e indo para as ruas, onde eles se entregam a pedra, que se torna a única coisa que mantém a vontade de viver. A rua se torna um refugio onde eles se identificam com outros viciados que estão na mesma situação. Ai vêm outro problema, pois este usuários começam a manter relações sexuais entre si, muitas vezes sem o uso de preservativos, espalhando outras doenças.
Na sua opinião, o tratamento contra o crack é efetivo?
O tratamento é importante para fazer uma desintoxicação no usuário, que geralmente chega podre nas clínicas. O crack destrói não só a cabeça mas todo o organismo, e o tratamento serve para deixar o viciado limpo. Mas não vai ser uma clínica que vai tirar a pessoa da dependência na pedra, para conseguir se livrar mesmo do vício tem que ter muita força de vontade.
De que maneira as distorções sociais influenciam na proliferação da pedra?
Todo mundo está preocupado com a proliferação do crack, mas ninguém olha para as guerras que ocorrem diariamente dentro das favelas. Muitos pessoas inocentes e viciados estão morrendo pela pedra, seja por causa do vício ou pela violência. O problema é que as distorções sociais são tão grandes que muita gente acaba não vendo o que está acontecendo. Muita gente humilde não está preparada para o mercado de trabalho competitivo dos dias de hoje, porém todos precisam de dinheiro para sobreviver. A sociedade exige que tu se adeqüe a um certo padrão, o negro pobre da favela tem que transparecer uma imagem que não é sua realidade para ser aceito. Então alguém decidi abrir uma boca, que se torna uma oportunidade de crescimento. Só que o crack é um mercado em que o maior reprime o menor, é a lei do mais forte onde a boca que tem menos poder é invadida e seus chefes mortos pelo peixe grande. Uma disputa de negócios onde o monopólio predomina e a concorrência é passada pra traz.
Você considera exagerada a repressão policial contra viciados em pedra?
A repressão da polícia é necessária, mas não dessa forma tão física como a gente vê, até porque o viciado não vai largar a droga por causa de uma surra. A pessoa para entrar no crack já perdeu o amor pela vida, nem liga se vai apanhar ou ser preso, só quer a companhia da pedra. Além do mais, a cadeia está repleta de viciados, o tráfico ocorre livremente lá dentro e parece que ninguém vê nada. A pedra está se espalhando por todos os cantos, e não é a polícia que vai frear este avanço.
O governo está sendo omisso na luta contra a pedra?
Por muito tempo o governo fechou os olhos para a proliferação do crack, pois era um problema das favelas, e para a política pouco importa o que acontece nas favelas. O governo prefere investir em bancos e empresas que garantam um retorno financeiro, esquecendo do pobre, que para eles não tem futuro. Só que, pela falta de controle, essa droga se espalhou também para outras classes sociais, daí a situação ficou diferente. Caiu na mídia e o governo agora tem que tomar providências. Já faz tempo que mães matam seus filhos viciados em pedra dentro da periferia, só que isso não aparece, ninguém fica sabendo. A favela é esquecida de todos.
Que medidas poderiam ser adotadas para tentar frear o avanço do crack?
Os governos tem que se conscientizar e fazer os investimentos sociais direto na raiz do problema, melhorando educação, cultura e moradia nas favelas, criando empregos e oportunidades para que os que hoje são mais pobres se sintam incluídos e aceitos pela sociedade. O crack, assim como o crime e a prostituição, é um problema social que se espalha pela desigualdade. O jovem da favela muitas vezes não tem esta visão, mas ele é uma vítima de um sistema, onde o grande traficante não é o cara que tá na favela comercializando a droga, mas sim aquele político que passa com um carro importado, fecha o vidro e ignora aquilo que está na sua frente.
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
Nossas ruas são feitas de PEDRA(parte 6)
Um tratamento paliativo
Hospital Psiquiátrico São Pedro
Elizabeth Azevedo é a chefe do Serviço de Admissão e Triagem do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Ela já não se surpreende mais quando um viciado em pedra, passando por um severo surto psicótico e claramente fora do seu estado mental adequado, chega ao SAT em busca de ajuda, mas acaba sendo despachado de volta para seu município de origem. “A verdade é que temos a disposição apenas 20 leitos para dependentes químicos, um número que é completamente incoerente com a realidade que vivemos. Não temos estrutura física nem de pessoal para acolher a grande demanda que o crack tem criado. Muitas vezes, os pacientes são tantos que tem que passar as noites dormindo nos bancos do hospital para esperar uma avaliação”.
A espera por um leito leva de duas a três semanas. Quando o paciente consegue ser admitido no São Pedro, passa para a Unidade de Desintoxicação (UD) para receber o tratamento adequado. “A verdade é que o tratamento é apenas paliativo, serve mesmo para fazer uma limpeza no organismo do viciado. É ingenuidade pensar que o usuário sai daqui curado, pois vencer uma dependência como a do crack é algo que está mais na força de vontade do usuário do que num tratamento clínico”. Elizabeth informa que, há cerca de cinco anos, eram raros os casos de dependentes pela pedra, mas que desde o ano passado a presença da droga cresceu tanto a ponto de se tornar o principal motivo de internação. “A verdade é que a sociedade ainda não está preparada para o problema do crack. Os hospitais não tem a estrutura adequada para receber os usuários, e a falta de leitos e pessoal acaba fazendo com que muitos casos críticos não tenham o acompanhamento necessário. Enquanto isso, a droga vai se espalhando por todos os cantos”.
“Só quero que isso acabe, meu Deus”
A família pediu para que não o identificassem, e garanti o sigilo de Fernando, nome fictício. Mora em Novo Hamburgo e faz parte de uma família de classe média, tradicional no município. Tem 42 anos, se casou, teve filhos e um emprego estável no serviço público. Porém nunca conseguiu se livrar do vício em cocaína, que carregava desde os tempos de juventude. Quando a situação se tornou insustentável e a mulher o abandonou, levando consigo os dois filhos, Fernando caiu em depressão. Perdeu emprego e casa, se entregou de vez ao pó. Quando os irmãos decidiram interná-lo em uma clínica para dependentes, Fernando pegou o carro e sumiu. Só foi aparecer novamente um mês depois, fazendo ameaças em frente a casa da ex-mulher. Quando a polícia o prendeu, trazia consigo um cachimbo e pequena quantidade de crack.
Encostado em uma cadeira na triagem do São Pedro, Fernando está inquieto, olha para todos os lados nervoso. Faço-lhe algumas perguntas mas ele não esconde o rosto e evita responder. “Só quero que isso acabe, meu Deus, Só quero que isso acabe”, repetia com freqüência. Os irmãos que lhe acompanham dizem que ele já esteve internado outras duas vezes por causa da cocaína, mas a descoberta do crack foi uma grande surpresa. “É aquela velha história. A ficha só cai quando acontece com alguém próximo. É triste ver uma pessoa que já teve tudo chegar a este estado lamentável”. Agora, eles esperam por um leito para o irmão e tem esperança em ver Fernando limpo novamente, mas sabem que o caminho é longo. “Vamos ter que cuidar dele como se fosse uma criança, e ter fé que ele volte a ser o que era antes”, finalizaram.
Uma reforma pela incoerência
Em todas as 3 unidades de tratamento contra drogas do Hospital Psiquiátrico São Pedro, o crack é de longe a com maior prevalência. Das mais de 600 pessoas que recorrem por mês à emergência psiquiátrica, metade se encontra sob o domínio da droga. E uma epidemia não poupa ninguém, nem crianças que, ao invés de estarem brincando de carrinho e boneca, vendem sua inocência para bancar a pedra. Quem confirma é o diretor técnico do HPSP, psiquiatra Gilberto Broffman “O crack ganhou uma dimensão galopante. Alguns anos atrás, quase não haviam crianças dependentes, e hoje temos muitos leitos ocupados por usuários entre 6 e 12 anos, o que é apavorante. Entre os adolescentes, 90% dos dependentes químicos são usuários de crack, e a cifra é a mesma nos adultos. Onde antes havia uma presença também de outras drogas, como o álcool, hoje a pedra predomina maciçamente”. Broffman indica que, apesar de haver um princípio de dependência em crack nas classes mais altas, como vem sendo divulgado pela imprensa, este número ainda é muito distante do que se observa na realidade das ruas e periferias.
O psiquiatra lembra do potencial destrutivo da pedra, que além da dependência química elevada ataca outros órgãos do viciado. “O vício é indissociável ao consumo e então não existe uso recreativo desta droga. O crack é o entorpecente mais devastadora que existe para o ser humano, debilitando todo organismo. Além do cérebro ela ataca profundamente o pulmão, portanto é comum encontrar um usuário com doenças respiratórias como tuberculose e pneumonia. Também eleva severamente a pressão, principalmente quando associado ao consumo de bebida alcoólica, ao ponto de causar infarto ou acidente vascular cerebral (AVC). Qualquer pessoa que tenha alguma outra patologia fica exposta ao risco de vida eminente quando consome esta droga”.
Broffman lamenta o fato de, nos dias de hoje, ainda não existir uma droga eficiente para combater o vício no crack, que ele considera ser muito mais um problema social do que médico. “Crianças que estão expostas a uma realidade muito próxima da droga e criminalidade nas periferias acabam sendo tentadas pela pedra, que surge como uma alternativa para fugir, mesmo que momentaneamente, do contexto de miséria e dificuldades com o qual convivem”. Sobre o problema da falta de estrutura física, o diretor do São Pedro destaca que o Rio Grande do Sul tem hoje menos de 40% dos leitos que possuía há 10 anos atrás, um problema que encontra suas raízes na lei de reforma psiquiátrica, que se propunha a mudar a ideologia de assistência psiquiátrica no Brasil.
Segundo afirma Secretaria de Saúde do RS, a Organização Mundial da Saúde defende que o dependente químico seja tratado em alas clínicas de hospitais gerais, em detrimento aos leitos psiquiátricos. A filosofia segue o espírito da lei antimanicomial implantada em 1992 no Estado, cuja ideologia é evitar a segregação e melhorar o atendimento. “Porém esta reforma teve alguns erros graves, pois ela determinou que fossem fechados leitos em hospitais psiquiátricos, o que vai à contramão da epidemia do crack. Isto é baseado numa ideologia equivocada, que entendia a doença mental como um fenômeno sociológico, e não como uma doença”. E sem a disponibilidade de leitos para afastar as pedras do caminho dos filhos, para muitos pais o que resta é amarrá-los ao pé da cama.
Hospital Psiquiátrico São Pedro
Elizabeth Azevedo é a chefe do Serviço de Admissão e Triagem do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Ela já não se surpreende mais quando um viciado em pedra, passando por um severo surto psicótico e claramente fora do seu estado mental adequado, chega ao SAT em busca de ajuda, mas acaba sendo despachado de volta para seu município de origem. “A verdade é que temos a disposição apenas 20 leitos para dependentes químicos, um número que é completamente incoerente com a realidade que vivemos. Não temos estrutura física nem de pessoal para acolher a grande demanda que o crack tem criado. Muitas vezes, os pacientes são tantos que tem que passar as noites dormindo nos bancos do hospital para esperar uma avaliação”.
A espera por um leito leva de duas a três semanas. Quando o paciente consegue ser admitido no São Pedro, passa para a Unidade de Desintoxicação (UD) para receber o tratamento adequado. “A verdade é que o tratamento é apenas paliativo, serve mesmo para fazer uma limpeza no organismo do viciado. É ingenuidade pensar que o usuário sai daqui curado, pois vencer uma dependência como a do crack é algo que está mais na força de vontade do usuário do que num tratamento clínico”. Elizabeth informa que, há cerca de cinco anos, eram raros os casos de dependentes pela pedra, mas que desde o ano passado a presença da droga cresceu tanto a ponto de se tornar o principal motivo de internação. “A verdade é que a sociedade ainda não está preparada para o problema do crack. Os hospitais não tem a estrutura adequada para receber os usuários, e a falta de leitos e pessoal acaba fazendo com que muitos casos críticos não tenham o acompanhamento necessário. Enquanto isso, a droga vai se espalhando por todos os cantos”.
“Só quero que isso acabe, meu Deus”
A família pediu para que não o identificassem, e garanti o sigilo de Fernando, nome fictício. Mora em Novo Hamburgo e faz parte de uma família de classe média, tradicional no município. Tem 42 anos, se casou, teve filhos e um emprego estável no serviço público. Porém nunca conseguiu se livrar do vício em cocaína, que carregava desde os tempos de juventude. Quando a situação se tornou insustentável e a mulher o abandonou, levando consigo os dois filhos, Fernando caiu em depressão. Perdeu emprego e casa, se entregou de vez ao pó. Quando os irmãos decidiram interná-lo em uma clínica para dependentes, Fernando pegou o carro e sumiu. Só foi aparecer novamente um mês depois, fazendo ameaças em frente a casa da ex-mulher. Quando a polícia o prendeu, trazia consigo um cachimbo e pequena quantidade de crack.
Encostado em uma cadeira na triagem do São Pedro, Fernando está inquieto, olha para todos os lados nervoso. Faço-lhe algumas perguntas mas ele não esconde o rosto e evita responder. “Só quero que isso acabe, meu Deus, Só quero que isso acabe”, repetia com freqüência. Os irmãos que lhe acompanham dizem que ele já esteve internado outras duas vezes por causa da cocaína, mas a descoberta do crack foi uma grande surpresa. “É aquela velha história. A ficha só cai quando acontece com alguém próximo. É triste ver uma pessoa que já teve tudo chegar a este estado lamentável”. Agora, eles esperam por um leito para o irmão e tem esperança em ver Fernando limpo novamente, mas sabem que o caminho é longo. “Vamos ter que cuidar dele como se fosse uma criança, e ter fé que ele volte a ser o que era antes”, finalizaram.
Uma reforma pela incoerência
Em todas as 3 unidades de tratamento contra drogas do Hospital Psiquiátrico São Pedro, o crack é de longe a com maior prevalência. Das mais de 600 pessoas que recorrem por mês à emergência psiquiátrica, metade se encontra sob o domínio da droga. E uma epidemia não poupa ninguém, nem crianças que, ao invés de estarem brincando de carrinho e boneca, vendem sua inocência para bancar a pedra. Quem confirma é o diretor técnico do HPSP, psiquiatra Gilberto Broffman “O crack ganhou uma dimensão galopante. Alguns anos atrás, quase não haviam crianças dependentes, e hoje temos muitos leitos ocupados por usuários entre 6 e 12 anos, o que é apavorante. Entre os adolescentes, 90% dos dependentes químicos são usuários de crack, e a cifra é a mesma nos adultos. Onde antes havia uma presença também de outras drogas, como o álcool, hoje a pedra predomina maciçamente”. Broffman indica que, apesar de haver um princípio de dependência em crack nas classes mais altas, como vem sendo divulgado pela imprensa, este número ainda é muito distante do que se observa na realidade das ruas e periferias.
O psiquiatra lembra do potencial destrutivo da pedra, que além da dependência química elevada ataca outros órgãos do viciado. “O vício é indissociável ao consumo e então não existe uso recreativo desta droga. O crack é o entorpecente mais devastadora que existe para o ser humano, debilitando todo organismo. Além do cérebro ela ataca profundamente o pulmão, portanto é comum encontrar um usuário com doenças respiratórias como tuberculose e pneumonia. Também eleva severamente a pressão, principalmente quando associado ao consumo de bebida alcoólica, ao ponto de causar infarto ou acidente vascular cerebral (AVC). Qualquer pessoa que tenha alguma outra patologia fica exposta ao risco de vida eminente quando consome esta droga”.
Broffman lamenta o fato de, nos dias de hoje, ainda não existir uma droga eficiente para combater o vício no crack, que ele considera ser muito mais um problema social do que médico. “Crianças que estão expostas a uma realidade muito próxima da droga e criminalidade nas periferias acabam sendo tentadas pela pedra, que surge como uma alternativa para fugir, mesmo que momentaneamente, do contexto de miséria e dificuldades com o qual convivem”. Sobre o problema da falta de estrutura física, o diretor do São Pedro destaca que o Rio Grande do Sul tem hoje menos de 40% dos leitos que possuía há 10 anos atrás, um problema que encontra suas raízes na lei de reforma psiquiátrica, que se propunha a mudar a ideologia de assistência psiquiátrica no Brasil.
Segundo afirma Secretaria de Saúde do RS, a Organização Mundial da Saúde defende que o dependente químico seja tratado em alas clínicas de hospitais gerais, em detrimento aos leitos psiquiátricos. A filosofia segue o espírito da lei antimanicomial implantada em 1992 no Estado, cuja ideologia é evitar a segregação e melhorar o atendimento. “Porém esta reforma teve alguns erros graves, pois ela determinou que fossem fechados leitos em hospitais psiquiátricos, o que vai à contramão da epidemia do crack. Isto é baseado numa ideologia equivocada, que entendia a doença mental como um fenômeno sociológico, e não como uma doença”. E sem a disponibilidade de leitos para afastar as pedras do caminho dos filhos, para muitos pais o que resta é amarrá-los ao pé da cama.
terça-feira, 15 de setembro de 2009
Nossas ruas são feitas de PEDRA(parte 5)
Previnir pela raiz
Psiquiatra, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudo de Álcool e outras Drogas (Abead) e atual coordenador da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus, Sérgio de Paula Ramos acredita que o crack virou situação de emergência pública no Rio Grande do Sul, mas mesmo assim não está sendo levada a sério pelos governantes. “Há uma modesta tentativa de oferecer mais tratamento. Porém não vejo uma política preventiva que leve realmente em conta a gravidade do problema que esta substância se tornou. Os tratamentos para dependentes de crack graves ainda são pouco eficazes”. Segundo ele, a sociedade também deve se mobilizar contra a proliferação da pedra, e entender que se trata de um problema conjunto que não pode ser omitido “Não dá nem para isentar as escolas neste processo. Elas têm funcionado na base do me engana que eu gosto. Ou alguém acredita que uma palestra sobre drogas por semestre tem algum efeito?”
O médico indica a desestruturação familiar, em todos os extratos sociais, como principal motivo para a escalada da pedra, além do vício quase instantâneo, que pega muitos usuários de surpresa. “Trata-se de uma droga estimulante, que leva cerca de 10 segundos para fazer efeito. A rapidez para se viciar em crack é tremenda, apenas comparável a da morfina, e seus efeitos nocivos ao cérebro são devastadores e, por vezes, irreversíveis”. O crescimento das drogas sintéticas, como ecstasy e LSD, também estaria relacionado à introdução do crack nas classe média e alta. “Os jovens são facilmente atraídos pelo desafio, inclusive quando se trata dos próprio limites do cérebro. O álcool me deu um barato, mas dizem que a maconha é melhor, então vou experimentar. Olha, o legal é a cocaína, o ecstasy, e acabam experimentando a cocaína. E, por fim, o crack.”
O ex-presidente da Abead destaca que as drogas ficaram mais potentes nas últimas décadas, e diz que acabou o romantismo que havia com os narcóticos nos anos 60. Para ele, uma política que previna o uso de álcool entre os adolescentes seria um passo importante no combate as drogas mais pesadas. Os jovens são o grupo mais afligido pelo crack, e sua pouca estrutura psicológica faz com que o vício os atinja mais profundamente “A gravidade do vício é o maior desafio para o usuário da pedra, pois trata-se de uma dependência química muito suscetível a recaídas. Infelizmente, a maioria dos viciados volta a consumir crack após o tratamento, a taxa de recuperação é muito baixa”.
A viagem perdida de Liziane
São 9h40min quando a ambulância de Cidreira estaciona no Serviço de Admissão e Triagem (SAT) do São Pedro, departamento responsável por determinar aqueles que ficam ou não no hospital psiquiátrico. Somente dependentes químicos do interior do estado passam pela triagem aqui, enquanto os de Porto Alegre são encaminhados ao Posto de Saúde Cruzeiro do Sul. Cerca de 15 minutos depois, o furgão já pode fazer o caminho de volta ao litoral com um problema sem solução para a usuária de crack Liziane, 34 anos. “Infelizmente a viagem foi em vão, pois não há leito disponível para ela. Agora ela está sedada, mas vai ter que voltar para casa e ficar sem tratamento. É revoltante”, indica a enfermeira que acompanhava a ambulância. Segundo ela, o crack vem se espalhando rapidamente nas cidades do interior. “O povo não tem o que fazer e acaba encontrando a droga para passar o tempo. Os casos aumentaram umas dez vezes nos últimos anos”.
Liziane teve de ser sedada pois estava passando por um surto psicótico. Porém, mesmo sobre efeito de medicamentos, acha forças para gritar que quer ir embora, tenta fugir, pede um cigarro. Alguns minutos depois se acalma, e tento falar com ela sem sucesso. “O que? Quem tu é? Não consigo ficar em pé”. Com as ajudas dos pais e da enfermeira, a paciente é deitada e amarrada no leito da ambulância, onde parece adormecer. A mãe de Liziane foi pega de surpresa pelo insucesso da internação, e diz não saber como proceder com a filha agora. “É uma situação nova, não vai dar nem para desintoxicar. Na outra vez nós conseguimos interná-la de primeira. Agora vamos ter que descobrir uma forma de acalmá-la, evitar que ela volte para as ruas”.
Os pais contam que a filha fica agressiva quando está em abstinência, faz ameaças e quebra os moveis de casa. Pescador em Cidreira, o pai afirmam não ter condição para comprar medicamentos. “Nossa situação está muito difícil, e agora vai ficar pior ainda. Ela tem suas crises e só quando ela descansa nós conseguimos dormir em paz”. Liziane começou com o crack há cerca de 4 anos, e após um tratamento no Hospital Espírita de Porto Alegre ficou por algum tempo livre do vício. “A verdade é que ela nunca mais foi a mesma, mas conseguiu ter uma vida relativamente normal. Só que em março deste ano ela teve uma recaída e voltou para as ruas. Quando retornou, ficou três dias em casa e voltou para a rua, vendeu um DVD e um celular para comprar droga. O pior é que ela tem um filho de quatro meses que está sendo criado sem mãe. É muito triste mesmo”. A mãe diz que vai continuar ao lado da filha na luta contra o vício, mas afirma que falta apoio do governo para reverter a situação do crack. “Esta droga está destruindo as famílias, mas parece que ninguém está dando bola. É preciso que abram novas vagas e contratem mais gente para combater essa maldição”, finalizou.
Psiquiatra, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudo de Álcool e outras Drogas (Abead) e atual coordenador da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus, Sérgio de Paula Ramos acredita que o crack virou situação de emergência pública no Rio Grande do Sul, mas mesmo assim não está sendo levada a sério pelos governantes. “Há uma modesta tentativa de oferecer mais tratamento. Porém não vejo uma política preventiva que leve realmente em conta a gravidade do problema que esta substância se tornou. Os tratamentos para dependentes de crack graves ainda são pouco eficazes”. Segundo ele, a sociedade também deve se mobilizar contra a proliferação da pedra, e entender que se trata de um problema conjunto que não pode ser omitido “Não dá nem para isentar as escolas neste processo. Elas têm funcionado na base do me engana que eu gosto. Ou alguém acredita que uma palestra sobre drogas por semestre tem algum efeito?”
O médico indica a desestruturação familiar, em todos os extratos sociais, como principal motivo para a escalada da pedra, além do vício quase instantâneo, que pega muitos usuários de surpresa. “Trata-se de uma droga estimulante, que leva cerca de 10 segundos para fazer efeito. A rapidez para se viciar em crack é tremenda, apenas comparável a da morfina, e seus efeitos nocivos ao cérebro são devastadores e, por vezes, irreversíveis”. O crescimento das drogas sintéticas, como ecstasy e LSD, também estaria relacionado à introdução do crack nas classe média e alta. “Os jovens são facilmente atraídos pelo desafio, inclusive quando se trata dos próprio limites do cérebro. O álcool me deu um barato, mas dizem que a maconha é melhor, então vou experimentar. Olha, o legal é a cocaína, o ecstasy, e acabam experimentando a cocaína. E, por fim, o crack.”
O ex-presidente da Abead destaca que as drogas ficaram mais potentes nas últimas décadas, e diz que acabou o romantismo que havia com os narcóticos nos anos 60. Para ele, uma política que previna o uso de álcool entre os adolescentes seria um passo importante no combate as drogas mais pesadas. Os jovens são o grupo mais afligido pelo crack, e sua pouca estrutura psicológica faz com que o vício os atinja mais profundamente “A gravidade do vício é o maior desafio para o usuário da pedra, pois trata-se de uma dependência química muito suscetível a recaídas. Infelizmente, a maioria dos viciados volta a consumir crack após o tratamento, a taxa de recuperação é muito baixa”.
A viagem perdida de Liziane
São 9h40min quando a ambulância de Cidreira estaciona no Serviço de Admissão e Triagem (SAT) do São Pedro, departamento responsável por determinar aqueles que ficam ou não no hospital psiquiátrico. Somente dependentes químicos do interior do estado passam pela triagem aqui, enquanto os de Porto Alegre são encaminhados ao Posto de Saúde Cruzeiro do Sul. Cerca de 15 minutos depois, o furgão já pode fazer o caminho de volta ao litoral com um problema sem solução para a usuária de crack Liziane, 34 anos. “Infelizmente a viagem foi em vão, pois não há leito disponível para ela. Agora ela está sedada, mas vai ter que voltar para casa e ficar sem tratamento. É revoltante”, indica a enfermeira que acompanhava a ambulância. Segundo ela, o crack vem se espalhando rapidamente nas cidades do interior. “O povo não tem o que fazer e acaba encontrando a droga para passar o tempo. Os casos aumentaram umas dez vezes nos últimos anos”.
Liziane teve de ser sedada pois estava passando por um surto psicótico. Porém, mesmo sobre efeito de medicamentos, acha forças para gritar que quer ir embora, tenta fugir, pede um cigarro. Alguns minutos depois se acalma, e tento falar com ela sem sucesso. “O que? Quem tu é? Não consigo ficar em pé”. Com as ajudas dos pais e da enfermeira, a paciente é deitada e amarrada no leito da ambulância, onde parece adormecer. A mãe de Liziane foi pega de surpresa pelo insucesso da internação, e diz não saber como proceder com a filha agora. “É uma situação nova, não vai dar nem para desintoxicar. Na outra vez nós conseguimos interná-la de primeira. Agora vamos ter que descobrir uma forma de acalmá-la, evitar que ela volte para as ruas”.
Os pais contam que a filha fica agressiva quando está em abstinência, faz ameaças e quebra os moveis de casa. Pescador em Cidreira, o pai afirmam não ter condição para comprar medicamentos. “Nossa situação está muito difícil, e agora vai ficar pior ainda. Ela tem suas crises e só quando ela descansa nós conseguimos dormir em paz”. Liziane começou com o crack há cerca de 4 anos, e após um tratamento no Hospital Espírita de Porto Alegre ficou por algum tempo livre do vício. “A verdade é que ela nunca mais foi a mesma, mas conseguiu ter uma vida relativamente normal. Só que em março deste ano ela teve uma recaída e voltou para as ruas. Quando retornou, ficou três dias em casa e voltou para a rua, vendeu um DVD e um celular para comprar droga. O pior é que ela tem um filho de quatro meses que está sendo criado sem mãe. É muito triste mesmo”. A mãe diz que vai continuar ao lado da filha na luta contra o vício, mas afirma que falta apoio do governo para reverter a situação do crack. “Esta droga está destruindo as famílias, mas parece que ninguém está dando bola. É preciso que abram novas vagas e contratem mais gente para combater essa maldição”, finalizou.
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
Nossas ruas são feitas de PEDRA(parte 4)
Juliano e Michel: Irmãos de Cachimbo
Deliberadamente maltrapilho, acompanhado apenas de uma máquina fotográfica e um bloco de notas, caminho até o viaduto onde a Borges de Medeiros cruza com a Loureiro da Silva. O lugar é um conhecido reduto de usuários em crack, e portanto não me surpreendo quando dou de cara com dois garotos preparando o cachimbo, protegidos pela escuridão da ponte. Eles olham para mim desconfiados, até que me aproximo. Indago se algum dos dois vende pedra. “Aqui eu não tenho não. Mas se quiser pego pra ti ali na boca. Só não dá pra tu ir lá assim, todo playboy, que os caras vão cagoetar contigo”, responde um dos jovens. Nesta hora me identifico como jornalista, e pergunto se posso conversar com eles. “Só se tu tiver uma grana pra nos dar”, indica o outro rapaz. Entrego dez reais para ele, e nos dirigimos até uma ruela próxima. Estaria mentindo se dissesse que não senti medo, mas acho que foi o fato de não ter demonstrado este temor que fez com que eu pudesse estabelecer uma conversa tranqüila com os dois meninos.
Logo que eu e um dos jovens nos sentamos, o outro encostou-se na parede e começou a pipar com tamanha voracidade que sua vida parecia depender daquela tragada. O que está sentado comigo, mais tranqüilamente, abre um sorriso de poucos dentes podres no rosto, e começa a desembrulhar uma trouxinha de plástico de onde tira o seu precioso cachimbo. Pergunto para ele se não tem medo de que alguém os veja. “Medo do quê? Quem vê nois e que tem medo, isso sim. To na minha, fumando meu bagulho sem fazer mal a ninguém”. Me dizem seus nomes. O que está fumando de pé, recostado na parede, se chama Michel, 17 anos, o mais desconfiado dos dois. Fica vigiando todo seu perímetro com uns olhos arregalados e injetados. O outro é Juliano, 20 anos, de uma serenidade surpreendente em contraste com o temperamento do amigo. Mostrando seu incômodo com a situação, Michel anuncia que vai na vila comprar mais crack, me deixando assim sozinho com Juliano que, desde o primeiro momento eu sabia, seria o porta-voz da dupla.
Com uma grande receptividade, como se estivesse ansioso por uma conversa, Juliano começa me falando da sua vida. “Agora eu to morando nas ruas, mas eu tenho família, sabe? Estudava também, quase me formei no colégio, ajudava meus irmãos menores. Mas eu sou adotado, tá ligado, e sempre noiei com o meu pai adotivo. Ele era da polícia, e tava sempre cagoetando todo mundo. Uma vez deu uma baita surra na minha mãe, daí eu me invoquei e dei uma camaçada de pau que quase matei ele. Fiquei jurado de morte pelo meu pai, daí eu nunca mais voltei pra casa, tive que mudar de cidade. Mas não me arrependo, gosto da vida das ruas”. Ele me diz que não se preocupa com um abrigo para repousar na noite, dorme muito pouco, a pedra lhe tira o sono por dias. Quando pergunto que drogas ele já experimentou, abre um novo sorriso e me responde com uma expressão de aparente orgulho. “Olha, não tem droga que eu não tenha experimentado. Nunca fui muito de beber, mas de resto foi tudo. Loló, maconha, cocaína, heroina, ácido, ecstasy, crack. Mas me perdi foi no pó mesmo. Hoje eu só fumo pedra e maconha”. No vício do crack Juliano já está faz três anos. Indagado sobre qual é o efeito da droga, o jovem explica que existem três momentos. “Primeiro vem o baque, que é aquela panca boa de felicidade, uma sensação de liberdade, uma vontade de sair gritando feito louco por ai. Daí quando passa o cara fica ligadão, tem que tá fazendo alguma coisa pra se mexer, senão a cabeça começa a pensar muita coisa. Depois vem a fissura, o cara fica noiado com tudo, sente que só vai passar quando pipar de novo.”
De um pequeno saquinho surgem os restos de uma pedra, que são despejados sobre o laminado no cachimbo e precisamente acesos. Deixo Juliano curtir seu momento de euforia por alguns instantes. Afinal este é o clímax pelo qual o usuário tanto espera, o ponto que, de uma maneira um tanto distorcida, faz tudo valer a pena. Quando ele continua a conversa, parece ainda mais confiante e receptivo. “Na real o crack nem é muito bom, pra mim é pior que pó e maconha. O foda é que vicia muito, o cara não consegue largar a pedra mesmo. Pelo menos em mim a panca ruim não pega forte, eu ainda consigo me controlar, mas tem gente que se perde mesmo e fica seqüelado pra sempre”. Pergunto ao jovem se ele alguma vez tentou parar com a droga, e a resposta vem acompanhada de um novo sorriso. “Já fiquei internado duas vezes: uma aqui em Porto Alegre e outra em São Leopoldo. Fiquei limpo um tempo, minha mãe me deu uma força. Mas não é fácil, não tinha onde ficar e acabei voltando pra rua, daí o cara fica uma semana na boa e depois já tá desesperado atrás da pedra de novo. Me arrependo de ter começado com isso, mas agora já é tarde. Mas minha cabeça é boa, ainda vou parar com o crack”.
Neste momento, Juliano interrompe sua linha de pensamento e, falando mais baixo, como se estivesse para revelar um grande segredo, começa a contar a história do amigo. “O Michel é um que perdeu tudo pro crack, e isso que começou faz só um ano, eu acho. Ele morava com a família numa vila em Viamão, mas teve que fugir depois que apagou um cara da boca lá. Uns meses atrás se meteu num assalto e apagou outro com uma faca. Quando ele tá fumado fica locão, perde a noção de tudo, tá ligado? Acha que á polícia tá atrás dele, ou é o barão da boca querendo passar ele. E tá sempre cachimbando, fuma pedra atrás de pedra, todo dinheiro vai pro vício. Só eu pra controlar ele mesmo, é como se eu fosse irmão nessas horas”. Aproveito a deixa para saber como os dois conseguem dinheiro para a compra do crack. “Se eu dissesse que nois não rouba, ia ser mentira. Quando a fissura é muita, fazemos o arrastão mesmo. Daí a gente fuma até não poder mais. Uma vez fumamos 600 pila numa noite, ficamos de patrão na boca. Mas isso é só de vez em quando, no mais nois pede nas ruas, cuida dos carros de noite”. A repressão da polícia também é grande, mas Juliano me revela que ultimamente muitos policiais tem feito vista grossa aos usuários de crack. “Quando eles tão de bobeira e vêem nois fumando, vão pra cima do cara e enchem de porrada. Já tomei muita surra de polícia, até já acostumei. O pior é se o cara tá vendendo alguma pedra, daí cagoetam mesmo e levam pra delegacia. Mas se tão apressado, passam direto por ti e nem fazem nada. Pra tu ver como já virou uma coisa comum nas ruas ver alguém fumando crack”, complementa.
Sobre a presença em Porto Alegre, Juliano não tem dúvidas da grande disseminação da droga. “Porto Alegre é terra de ninguém, o paraíso do crack. Dos que vivem nas ruas, é difícil achar um que nunca provou. E tá se espalhando que nem praga, o amigo passa para o amigo, que depois passa pra outro. No inverno que é pior, porque daí a gente fica com o pulmão fodido também. Tá cheio de morador de rua por ai com tuberculose de tanto fumar pedra, e com o frio muitos desses podem acabar morrendo”. Pergunto se ele se depara freqüentemente com algum jovem de classe média usuário de crack. “Na real não é sempre que se vê, mas de vez em quando aparece um playboy fissurado por um crack. Já peguei pra uns dois, porque eles tem medo de entrar na boca e pedir. Daí eles já compram um monte direto, 50, 100 pila, e deixam um troco pra nois. Mas sabe como é, pra playboy a pedra fica mais cara. Se nois pagamos cinco. eles pagam dez”.
Michel finalmente retorna da vila, com mais duas pedras. Ele me abre o pacote mostrando o volume amarelado, parecido com o de uns comprimidos esfacelados. “Isso daí vai tudo nesta noite, deve dar pra no máximo umas oito pipadas”, explica. Os garotos me autorizam a tirar mais algumas fotos, enquanto eles aproveitam o baque do crack. Porém Michel começa a ficar tenso novamente, pede pressa, dizendo que a polícia está por perto. Ele me encara novamente com aquele olhar desconfiado do início da conversa, e decido que é hora de ir embora. Juliano, com um derradeiro sorriso de dentes podres, me deseja sorte na matéria. Me despeço dos jovens e sigo meu caminho pela Perimetral, sobre o olhar apavorado de reprovação dos passantes.
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
Nossas ruas são feitas de PEDRA(parte3)
AS DORES DE CAJU
Faz muitos anos que Caju tem no Parque da Redenção o mais próximo que ele pode chamar de uma casa. Virou morador de rua após ver o barraco onde morava pegar fogo na Vila Cruzeiro, cerca de 10 anos atrás. “Mas até já me acostumei a viver nas ruas. É tipo um estilo de vida, tá ligado?” E para conseguir sustentar este estilo de vida tão peculiar, Caju se aproveita da solidariedade dos passantes que lhe atiram moedas, ou vira cuidador de carros em algum lugar de gente bacana. Agora ele usa o dinheiro para comida e cachaça, mas no passado suas reservas iam todas para outro lugar, e tinham origens ainda menos nobres. “ Uns tempos atrás eu roubava, e a grana ia toda pra pedra. Daí fiquei preso um tempo e decidi parar, porque não queria mais voltar pra cadeia. Hoje minha cabeça funciona melhor, com certeza”
O vício na droga pegou de surpresa Caju cerca de 5 anos atrás, quando ele diz que o crack ainda era uma novidade da qual se sabia muito pouco. “Eu não imaginava que fosse ficar do jeito que fiquei, pensava que podia parar quando eu quisesse. Mas não demorou nem um mês para que eu ficasse sequelado, perdi a noção de tempo, só pensava em arranjar um dinheiro para fumar logo”. Ele diz que as vezes tinha visões estranhas quando fumava, via tudo mais colorido e se lembrava da infância feliz, quando ainda tinha a companhia da mãe e da irmã. “Minha mãe teve câncer e morreu quando eu era criança. Logo depois minha irmã ficou doente do pulmão e também se foi. Depois minha casa, que era só o que eu tinha, pegou fogo. Mas o que eu posso fazer né? É a vontade de Deus”. Caju diz que até tem uma tia com a qual tem afeição, e que possui uma casa onde ele poderia ficar. “Mas depois que nois se habituamos a viver nas ruas, não dá mais pra voltar pra casa”.
A ESCALADA DA PEDRA NO BRASIL
O crack chegou ao Brasil em meados dos anos 80, via São Paulo, onde surgiu a nossa primeira “cracolândia”. Nos últimos 20 anos, a droga vem se proliferando de maneira assustadora pelos quatro cantos do país, tornando-se problema emergencial ao poder público. No Rio, onde o Comando Vermelho proibiu que o crack fosse comercializado na década de 1990, o consumo da droga aumenta até 300% ao ano. No Distrito Federal, a pedra é considerada a droga ilícita de mais fácil acesso, com pontos de comercialização espalhados por praticamente todas as cidades satélites. De Dourados, em Mato Grosso do Sul, veio o relato de que o crack estava sendo consumido entre comunidades indígenas que vivem perto de centros urbanos, que roubam e matam para manter o vício. Considerada uma droga iminentemente urbana no passado, o crack já se espalha pelas pequenas cidades do país. Em Pernambuco a pedra já atinge o agreste e o sertão, área miserável e tradicional produtora de maconha. Na cidade histórica de Ouro Preto, jovens assumem que o crack passou a ser consumido com freqüência em repúblicas estudantis nos últimos anos.
No Rio Grande do Sul, a situação é de calamidade contra o crack, que há onze anos sequer existia no território gaúcho. A Secretaria de Saúde do RS estima que existam atualmente 50 mil viciados na droga, o que representa cerca de 0,5% da população total. A média de atendimentos psiquiátricos para pessoas viciadas na pedra em Porto Alegre é de 43,35%, a maior entre todas as capitais do Brasil. Estima-se que 11% dos usuários em crack sejam portadores do vírus HIV, em muitos casos mulheres grávidas. Nas quatro principais maternidade de Porto Alegre, nasceram no ano passado 117 crianças filhas de mães viciadas, mulheres que provavelmente perderam a coerência necessária para associar o sexo nas ruas ao uso de preservativos. A violência relaciona-se intrinsecamente à droga. Cerca de 80% da violência física gerada no Rio Grande do Sul tem origem ou ligação com o crack. A delinqüência juvenil também virou algo inato ao vício. Um levantamento realizado pelo Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca) revelou que, em 2008, 55% dos garotos envolvidos em ocorrências relacionadas a drogas estavam sob o efeito da pedra. O reflexo disso tudo se vê nas ruas, sobre as pontes e marquises escuras.
O acesso a droga é fácil para todos. Na vila Bom Jesus, a droga já é encontrada facilmente próxima ao asfalto. Na cidade Baixa, reina absoluta nas mãos dos moradores de rua. “Qual é, dos meus. Tu tem pedra ai?”, pergunto para o rapaz, sentado despreocupadamente no meio da Vila Planetário. “Tem sim, tá 10 pila pra ti”, dou-lhe o dinheiro e recebo em troca uma minúscula trouxinha de plástico azul. “E maconha, tu não tem?”, a resposta explicita quem é o novo dono do tráfico. “Maconha não tem mais, só tem pedra mesmo”. “E vende como água, né?”. O rapaz me sorri e finaliza. “É, vende bem, não dá pra reclamar”.
A venda de crack ocorre livremente na vila Planetário
Faz muitos anos que Caju tem no Parque da Redenção o mais próximo que ele pode chamar de uma casa. Virou morador de rua após ver o barraco onde morava pegar fogo na Vila Cruzeiro, cerca de 10 anos atrás. “Mas até já me acostumei a viver nas ruas. É tipo um estilo de vida, tá ligado?” E para conseguir sustentar este estilo de vida tão peculiar, Caju se aproveita da solidariedade dos passantes que lhe atiram moedas, ou vira cuidador de carros em algum lugar de gente bacana. Agora ele usa o dinheiro para comida e cachaça, mas no passado suas reservas iam todas para outro lugar, e tinham origens ainda menos nobres. “ Uns tempos atrás eu roubava, e a grana ia toda pra pedra. Daí fiquei preso um tempo e decidi parar, porque não queria mais voltar pra cadeia. Hoje minha cabeça funciona melhor, com certeza”
O vício na droga pegou de surpresa Caju cerca de 5 anos atrás, quando ele diz que o crack ainda era uma novidade da qual se sabia muito pouco. “Eu não imaginava que fosse ficar do jeito que fiquei, pensava que podia parar quando eu quisesse. Mas não demorou nem um mês para que eu ficasse sequelado, perdi a noção de tempo, só pensava em arranjar um dinheiro para fumar logo”. Ele diz que as vezes tinha visões estranhas quando fumava, via tudo mais colorido e se lembrava da infância feliz, quando ainda tinha a companhia da mãe e da irmã. “Minha mãe teve câncer e morreu quando eu era criança. Logo depois minha irmã ficou doente do pulmão e também se foi. Depois minha casa, que era só o que eu tinha, pegou fogo. Mas o que eu posso fazer né? É a vontade de Deus”. Caju diz que até tem uma tia com a qual tem afeição, e que possui uma casa onde ele poderia ficar. “Mas depois que nois se habituamos a viver nas ruas, não dá mais pra voltar pra casa”.
A ESCALADA DA PEDRA NO BRASIL
O crack chegou ao Brasil em meados dos anos 80, via São Paulo, onde surgiu a nossa primeira “cracolândia”. Nos últimos 20 anos, a droga vem se proliferando de maneira assustadora pelos quatro cantos do país, tornando-se problema emergencial ao poder público. No Rio, onde o Comando Vermelho proibiu que o crack fosse comercializado na década de 1990, o consumo da droga aumenta até 300% ao ano. No Distrito Federal, a pedra é considerada a droga ilícita de mais fácil acesso, com pontos de comercialização espalhados por praticamente todas as cidades satélites. De Dourados, em Mato Grosso do Sul, veio o relato de que o crack estava sendo consumido entre comunidades indígenas que vivem perto de centros urbanos, que roubam e matam para manter o vício. Considerada uma droga iminentemente urbana no passado, o crack já se espalha pelas pequenas cidades do país. Em Pernambuco a pedra já atinge o agreste e o sertão, área miserável e tradicional produtora de maconha. Na cidade histórica de Ouro Preto, jovens assumem que o crack passou a ser consumido com freqüência em repúblicas estudantis nos últimos anos.
No Rio Grande do Sul, a situação é de calamidade contra o crack, que há onze anos sequer existia no território gaúcho. A Secretaria de Saúde do RS estima que existam atualmente 50 mil viciados na droga, o que representa cerca de 0,5% da população total. A média de atendimentos psiquiátricos para pessoas viciadas na pedra em Porto Alegre é de 43,35%, a maior entre todas as capitais do Brasil. Estima-se que 11% dos usuários em crack sejam portadores do vírus HIV, em muitos casos mulheres grávidas. Nas quatro principais maternidade de Porto Alegre, nasceram no ano passado 117 crianças filhas de mães viciadas, mulheres que provavelmente perderam a coerência necessária para associar o sexo nas ruas ao uso de preservativos. A violência relaciona-se intrinsecamente à droga. Cerca de 80% da violência física gerada no Rio Grande do Sul tem origem ou ligação com o crack. A delinqüência juvenil também virou algo inato ao vício. Um levantamento realizado pelo Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca) revelou que, em 2008, 55% dos garotos envolvidos em ocorrências relacionadas a drogas estavam sob o efeito da pedra. O reflexo disso tudo se vê nas ruas, sobre as pontes e marquises escuras.
O acesso a droga é fácil para todos. Na vila Bom Jesus, a droga já é encontrada facilmente próxima ao asfalto. Na cidade Baixa, reina absoluta nas mãos dos moradores de rua. “Qual é, dos meus. Tu tem pedra ai?”, pergunto para o rapaz, sentado despreocupadamente no meio da Vila Planetário. “Tem sim, tá 10 pila pra ti”, dou-lhe o dinheiro e recebo em troca uma minúscula trouxinha de plástico azul. “E maconha, tu não tem?”, a resposta explicita quem é o novo dono do tráfico. “Maconha não tem mais, só tem pedra mesmo”. “E vende como água, né?”. O rapaz me sorri e finaliza. “É, vende bem, não dá pra reclamar”.
A venda de crack ocorre livremente na vila Planetário
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
Nossas ruas são feitas de PEDRA(parte 2)
O REMÉDIO PARA ESQUECER O PASSADO
A rua Sofia Veloso é uma rota tranqüila e pacata para os seus passantes, como um oásis de relativo silêncio em meio a infindável movimentação e burburinhos da Cidade Baixa. Na noite, quando a agitação das massas em busca de diversão lota o bairro mais boêmio de Porto Alegre, e nesta mesma Sofia Veloso que Andréia encontra um refúgio para esquecer um pouco dos seus problemas. “Minha vida nunca foi fácil, sabe? Lá em Eldorado meu pai sempre batia em mim e na minha mãe. Ele era muito louco mesmo, daí um dia botou fogo na nossa casa com minha mãe dentro. É por isso que eu entrei nas drogas, pra esquecer do passado, da família que perdi”, explica Andréia, enquanto arruma o cachimbo para mais uma pipada. Ela diz que perdeu a noção do tempo, não sabe bem quando foi parar nas ruas nem quando chegou na capital. Só sabe que os dias correm muito devagar.
Seu relacionamento com as drogas começou cedo, com o loló dividido entre as amigas numa juventude que aparenta ser muito distante. Já o envolvimento com o crack, Andréia garante ser recente. “Comecei a fumar crack faz pouco tempo, uns três meses, por ai. Mas não gostei, não. O problema é que vicia muito e a panca boa passa rápido demais. Na lata é pior ainda, porque tu sente os pulmões se estragando na hora. Seca demais a garganta. Por isso só fumo no cachimbo”. Suas mãos estão trêmulas, ela diz que não gosta de ficar muito tempo parada. Passo-lhe uns cigarros, e já na primeira tragada Andréia se tranqüiliza um pouco. Pergunto como é feito o cachimbo. “Ah, é fácil! O cabo onde tu puxa a fumaça pode ser uma antena, dessas de carro ou TV. Daí pega um pedaço de cano de PVC que vai ser a base, e faz um furo onde tu vai juntar com a antena, para a fumaça entrar. O cano de PVC tu forra com papel laminado de marmitex, e passa um plástico em volta da base, porque ai não vaza e segura melhor o laminado enquanto tu fuma”.
Para Andréia, a pedra virou a droga das ruas em Porto Alegre. Ela não só chegou aos moradores de rua como fez com que muitas pessoas perdessem literalmente tudo, até chegar à sarjeta onde se tem apenas o vício como diabólica companhia. “ O cara, quando tá sequelado, faz de tudo pela droga. Fica roubando para comprar crack, até mata se precisar e tiver muito fissurado. Não tem mais respeito com ninguém, nem com quem tá nas ruas que nem ele”. Andréia me fala que quer mudar de vida, que não se mais sente segura nas ruas onde já foi abusada mais de uma vez. Diz também que pode parar com o crack se quiser, mas para isso precisa de ajuda. “Eu queria arranjar um trabalho pra poder ganhar algum dinheiro, mas quem mora nas ruas é muito descriminado, ninguém te dá bola mesmo. Eu não sou viciada no crack, fumo umas 2, 3 pedras por dia, mas posso parar se alguém me der uma chance”. Pergunto como ela faz para ganhar o dinheiro da droga. “Eu me viro, mas nunca roubei não. Peço nas sinaleiras, vendo umas balas também. As vezes vem um playboy querendo comprar pedra, dai eu peço mais e compro pra mim também”. Andréia precisa do crack porque, quando não está no baque da pedra, começa a se lembrar de histórias que as deixam triste, de um passado que guarda muitas mágoas que só a droga pode prender.
Ela prepara uma última cachimbada com os restos da pedra. Apesar de sobrarem apenas farelos, afirma que ainda dá para sentir o prazer da droga. Andréia quer saber se eu tenho algum dinheiro, diz que precisa muito de cinco reais para comprar um cachorro-quente depois. Dou os cinco reais para ela, querendo acreditar que o dinheiro mais tarde fará com que ela coma alguma coisa, porém internamente já imaginava que seu destino seria outro. Pego minha máquina é pergunto se poço tirar algumas fotos. Andréia, com seus 25 anos, responde. “Pode tirar sim, não tem problema. Já perdi tudo na vida mesmo”.
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
Nossas ruas são feitas de PEDRA (parte I)
Para aqueles que não leram na 3x4, vou postar a matéria completa, mas dividida em partes para evitar que alguém durma no meio
Em laboratórios artesanais, uma forma não salina da cocaína é isolada em uma solução aquosa. Numa panela, a substância é aquecida num tratamento de sal dissolvido em água com bicarbonato de sódio. A mistura se solidifica em pedaços grossos e secos de coloração amarelada, uma pedra que explode, cristalizando-se com um barulho onomatopéico: crack.
DAS ORIGENS NEFASTAS
Nos anos oitenta, o consumo de cocaína popularizou-se pelos Estados Unidos. O narcotráfico colombiano, responsável pela produção e distribuição da cocaína no mundo, atingiu níveis avançados de organização e notoriedade internacional, faturando cerca de 200 bilhões de dólares anuais. O preço da droga chegou a despencar 250%, porém continuava muito cara ao bolso dos jovens das periferias.
Enquanto isso, na Nicarágua, estourava a Revolução Sandinista, que pretendia acabar com o imperialismo ditatorial que os Estados Unidos exercia no país através da família Somoza. Membros do partido Fuerza Democrática, anti-sandinista e alinhado aos EUA, entram em contato com um tal coronel Bermudez, sabidamente pago pela CIA, que propõe traficar a cocaína da Colômbia direto para o interior dos EUA, com o objetivo de conseguir fundos para combater os revolucionários sandinistas. Entram em contato com o cartel de Cáli, o mais poderoso da Colômbia, e tentam comercializar a droga nas zonas mais pobres de Los Angeles. Porém o alto custo era um impasse para a venda da cocaína nos subúrbios, e o preço de mercado não pode ser rebaixado, afinal, entraria em conflito com o pó de outras quadrilhas.
Neste contexto, uma inovação tecnológica veio resolver os problemas dos contra-revolucionários nicaragüenses. Através dos cristais que restam da fabricação da cocaína, é possível fabricar uma droga inalável, muito mais barata e potente, adequada aos pobres e que será chamada de crack. Por cinco anos ,de 1982 a 1987, os contras, com cobertura de organismos oficiais locais e norte-americanos, despejam 100 quilos de cristais de coca semanais sobre Los Angeles. Os lucros são lavados em Miami e partem para a América Central, onde alimentarão a subversão contra o governo de Manágua. A pedra se espalhou com uma velocidade alucinante nos guetos negros e latinos, e isso para os Estados Unidos tornou-se uma solução, implicita e eficiente, para barrar o crescimento dos movimentos operário e popular no país.
A situação, porém, ficou fora de controle. Nova York chegou a ter 12 mil pontos de venda e a taxa de homicídios atingiu 2,2 mil por ano. Em Washington, capital do país, o então prefeito, Marion Barry, foi preso em 1990 por fumar crack . Desde os primeiros relatos sobre a nova droga, chamava a atenção dos pesquisadores a intensidade e a curta duração dos sintomas de euforia, preço muito inferior ao da cocaína refinada, as impurezas e o 'microtráfico' feito pelo usuário para a manutenção do próprio consumo. Com uma capacidade de vício acelerada e seu preço baixo, o crack rapidamente migrou dos subúrbios dos EUA para as periferias da América Latina, bairros habitados por minorias e acometidos por altos índices de desemprego, que com a pedra alcançaram também índices históricos de violência.
Em laboratórios artesanais, uma forma não salina da cocaína é isolada em uma solução aquosa. Numa panela, a substância é aquecida num tratamento de sal dissolvido em água com bicarbonato de sódio. A mistura se solidifica em pedaços grossos e secos de coloração amarelada, uma pedra que explode, cristalizando-se com um barulho onomatopéico: crack.
DAS ORIGENS NEFASTAS
Nos anos oitenta, o consumo de cocaína popularizou-se pelos Estados Unidos. O narcotráfico colombiano, responsável pela produção e distribuição da cocaína no mundo, atingiu níveis avançados de organização e notoriedade internacional, faturando cerca de 200 bilhões de dólares anuais. O preço da droga chegou a despencar 250%, porém continuava muito cara ao bolso dos jovens das periferias.
Enquanto isso, na Nicarágua, estourava a Revolução Sandinista, que pretendia acabar com o imperialismo ditatorial que os Estados Unidos exercia no país através da família Somoza. Membros do partido Fuerza Democrática, anti-sandinista e alinhado aos EUA, entram em contato com um tal coronel Bermudez, sabidamente pago pela CIA, que propõe traficar a cocaína da Colômbia direto para o interior dos EUA, com o objetivo de conseguir fundos para combater os revolucionários sandinistas. Entram em contato com o cartel de Cáli, o mais poderoso da Colômbia, e tentam comercializar a droga nas zonas mais pobres de Los Angeles. Porém o alto custo era um impasse para a venda da cocaína nos subúrbios, e o preço de mercado não pode ser rebaixado, afinal, entraria em conflito com o pó de outras quadrilhas.
Neste contexto, uma inovação tecnológica veio resolver os problemas dos contra-revolucionários nicaragüenses. Através dos cristais que restam da fabricação da cocaína, é possível fabricar uma droga inalável, muito mais barata e potente, adequada aos pobres e que será chamada de crack. Por cinco anos ,de 1982 a 1987, os contras, com cobertura de organismos oficiais locais e norte-americanos, despejam 100 quilos de cristais de coca semanais sobre Los Angeles. Os lucros são lavados em Miami e partem para a América Central, onde alimentarão a subversão contra o governo de Manágua. A pedra se espalhou com uma velocidade alucinante nos guetos negros e latinos, e isso para os Estados Unidos tornou-se uma solução, implicita e eficiente, para barrar o crescimento dos movimentos operário e popular no país.
A situação, porém, ficou fora de controle. Nova York chegou a ter 12 mil pontos de venda e a taxa de homicídios atingiu 2,2 mil por ano. Em Washington, capital do país, o então prefeito, Marion Barry, foi preso em 1990 por fumar crack . Desde os primeiros relatos sobre a nova droga, chamava a atenção dos pesquisadores a intensidade e a curta duração dos sintomas de euforia, preço muito inferior ao da cocaína refinada, as impurezas e o 'microtráfico' feito pelo usuário para a manutenção do próprio consumo. Com uma capacidade de vício acelerada e seu preço baixo, o crack rapidamente migrou dos subúrbios dos EUA para as periferias da América Latina, bairros habitados por minorias e acometidos por altos índices de desemprego, que com a pedra alcançaram também índices históricos de violência.
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