Previnir pela raiz
Psiquiatra, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudo de Álcool e outras Drogas (Abead) e atual coordenador da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus, Sérgio de Paula Ramos acredita que o crack virou situação de emergência pública no Rio Grande do Sul, mas mesmo assim não está sendo levada a sério pelos governantes. “Há uma modesta tentativa de oferecer mais tratamento. Porém não vejo uma política preventiva que leve realmente em conta a gravidade do problema que esta substância se tornou. Os tratamentos para dependentes de crack graves ainda são pouco eficazes”. Segundo ele, a sociedade também deve se mobilizar contra a proliferação da pedra, e entender que se trata de um problema conjunto que não pode ser omitido “Não dá nem para isentar as escolas neste processo. Elas têm funcionado na base do me engana que eu gosto. Ou alguém acredita que uma palestra sobre drogas por semestre tem algum efeito?”
O médico indica a desestruturação familiar, em todos os extratos sociais, como principal motivo para a escalada da pedra, além do vício quase instantâneo, que pega muitos usuários de surpresa. “Trata-se de uma droga estimulante, que leva cerca de 10 segundos para fazer efeito. A rapidez para se viciar em crack é tremenda, apenas comparável a da morfina, e seus efeitos nocivos ao cérebro são devastadores e, por vezes, irreversíveis”. O crescimento das drogas sintéticas, como ecstasy e LSD, também estaria relacionado à introdução do crack nas classe média e alta. “Os jovens são facilmente atraídos pelo desafio, inclusive quando se trata dos próprio limites do cérebro. O álcool me deu um barato, mas dizem que a maconha é melhor, então vou experimentar. Olha, o legal é a cocaína, o ecstasy, e acabam experimentando a cocaína. E, por fim, o crack.”
O ex-presidente da Abead destaca que as drogas ficaram mais potentes nas últimas décadas, e diz que acabou o romantismo que havia com os narcóticos nos anos 60. Para ele, uma política que previna o uso de álcool entre os adolescentes seria um passo importante no combate as drogas mais pesadas. Os jovens são o grupo mais afligido pelo crack, e sua pouca estrutura psicológica faz com que o vício os atinja mais profundamente “A gravidade do vício é o maior desafio para o usuário da pedra, pois trata-se de uma dependência química muito suscetível a recaídas. Infelizmente, a maioria dos viciados volta a consumir crack após o tratamento, a taxa de recuperação é muito baixa”.
A viagem perdida de Liziane
São 9h40min quando a ambulância de Cidreira estaciona no Serviço de Admissão e Triagem (SAT) do São Pedro, departamento responsável por determinar aqueles que ficam ou não no hospital psiquiátrico. Somente dependentes químicos do interior do estado passam pela triagem aqui, enquanto os de Porto Alegre são encaminhados ao Posto de Saúde Cruzeiro do Sul. Cerca de 15 minutos depois, o furgão já pode fazer o caminho de volta ao litoral com um problema sem solução para a usuária de crack Liziane, 34 anos. “Infelizmente a viagem foi em vão, pois não há leito disponível para ela. Agora ela está sedada, mas vai ter que voltar para casa e ficar sem tratamento. É revoltante”, indica a enfermeira que acompanhava a ambulância. Segundo ela, o crack vem se espalhando rapidamente nas cidades do interior. “O povo não tem o que fazer e acaba encontrando a droga para passar o tempo. Os casos aumentaram umas dez vezes nos últimos anos”.
Liziane teve de ser sedada pois estava passando por um surto psicótico. Porém, mesmo sobre efeito de medicamentos, acha forças para gritar que quer ir embora, tenta fugir, pede um cigarro. Alguns minutos depois se acalma, e tento falar com ela sem sucesso. “O que? Quem tu é? Não consigo ficar em pé”. Com as ajudas dos pais e da enfermeira, a paciente é deitada e amarrada no leito da ambulância, onde parece adormecer. A mãe de Liziane foi pega de surpresa pelo insucesso da internação, e diz não saber como proceder com a filha agora. “É uma situação nova, não vai dar nem para desintoxicar. Na outra vez nós conseguimos interná-la de primeira. Agora vamos ter que descobrir uma forma de acalmá-la, evitar que ela volte para as ruas”.
Os pais contam que a filha fica agressiva quando está em abstinência, faz ameaças e quebra os moveis de casa. Pescador em Cidreira, o pai afirmam não ter condição para comprar medicamentos. “Nossa situação está muito difícil, e agora vai ficar pior ainda. Ela tem suas crises e só quando ela descansa nós conseguimos dormir em paz”. Liziane começou com o crack há cerca de 4 anos, e após um tratamento no Hospital Espírita de Porto Alegre ficou por algum tempo livre do vício. “A verdade é que ela nunca mais foi a mesma, mas conseguiu ter uma vida relativamente normal. Só que em março deste ano ela teve uma recaída e voltou para as ruas. Quando retornou, ficou três dias em casa e voltou para a rua, vendeu um DVD e um celular para comprar droga. O pior é que ela tem um filho de quatro meses que está sendo criado sem mãe. É muito triste mesmo”. A mãe diz que vai continuar ao lado da filha na luta contra o vício, mas afirma que falta apoio do governo para reverter a situação do crack. “Esta droga está destruindo as famílias, mas parece que ninguém está dando bola. É preciso que abram novas vagas e contratem mais gente para combater essa maldição”, finalizou.
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