quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Nossas ruas são feitas de PEDRA(parte 2)


O REMÉDIO PARA ESQUECER O PASSADO

A rua Sofia Veloso é uma rota tranqüila e pacata para os seus passantes, como um oásis de relativo silêncio em meio a infindável movimentação e burburinhos da Cidade Baixa. Na noite, quando a agitação das massas em busca de diversão lota o bairro mais boêmio de Porto Alegre, e nesta mesma Sofia Veloso que Andréia encontra um refúgio para esquecer um pouco dos seus problemas. “Minha vida nunca foi fácil, sabe? Lá em Eldorado meu pai sempre batia em mim e na minha mãe. Ele era muito louco mesmo, daí um dia botou fogo na nossa casa com minha mãe dentro. É por isso que eu entrei nas drogas, pra esquecer do passado, da família que perdi”, explica Andréia, enquanto arruma o cachimbo para mais uma pipada. Ela diz que perdeu a noção do tempo, não sabe bem quando foi parar nas ruas nem quando chegou na capital. Só sabe que os dias correm muito devagar.

Seu relacionamento com as drogas começou cedo, com o loló dividido entre as amigas numa juventude que aparenta ser muito distante. Já o envolvimento com o crack, Andréia garante ser recente. “Comecei a fumar crack faz pouco tempo, uns três meses, por ai. Mas não gostei, não. O problema é que vicia muito e a panca boa passa rápido demais. Na lata é pior ainda, porque tu sente os pulmões se estragando na hora. Seca demais a garganta. Por isso só fumo no cachimbo”. Suas mãos estão trêmulas, ela diz que não gosta de ficar muito tempo parada. Passo-lhe uns cigarros, e já na primeira tragada Andréia se tranqüiliza um pouco. Pergunto como é feito o cachimbo. “Ah, é fácil! O cabo onde tu puxa a fumaça pode ser uma antena, dessas de carro ou TV. Daí pega um pedaço de cano de PVC que vai ser a base, e faz um furo onde tu vai juntar com a antena, para a fumaça entrar. O cano de PVC tu forra com papel laminado de marmitex, e passa um plástico em volta da base, porque ai não vaza e segura melhor o laminado enquanto tu fuma”.


Para Andréia, a pedra virou a droga das ruas em Porto Alegre. Ela não só chegou aos moradores de rua como fez com que muitas pessoas perdessem literalmente tudo, até chegar à sarjeta onde se tem apenas o vício como diabólica companhia. “ O cara, quando tá sequelado, faz de tudo pela droga. Fica roubando para comprar crack, até mata se precisar e tiver muito fissurado. Não tem mais respeito com ninguém, nem com quem tá nas ruas que nem ele”. Andréia me fala que quer mudar de vida, que não se mais sente segura nas ruas onde já foi abusada mais de uma vez. Diz também que pode parar com o crack se quiser, mas para isso precisa de ajuda. “Eu queria arranjar um trabalho pra poder ganhar algum dinheiro, mas quem mora nas ruas é muito descriminado, ninguém te dá bola mesmo. Eu não sou viciada no crack, fumo umas 2, 3 pedras por dia, mas posso parar se alguém me der uma chance”. Pergunto como ela faz para ganhar o dinheiro da droga. “Eu me viro, mas nunca roubei não. Peço nas sinaleiras, vendo umas balas também. As vezes vem um playboy querendo comprar pedra, dai eu peço mais e compro pra mim também”. Andréia precisa do crack porque, quando não está no baque da pedra, começa a se lembrar de histórias que as deixam triste, de um passado que guarda muitas mágoas que só a droga pode prender.

Ela prepara uma última cachimbada com os restos da pedra. Apesar de sobrarem apenas farelos, afirma que ainda dá para sentir o prazer da droga. Andréia quer saber se eu tenho algum dinheiro, diz que precisa muito de cinco reais para comprar um cachorro-quente depois. Dou os cinco reais para ela, querendo acreditar que o dinheiro mais tarde fará com que ela coma alguma coisa, porém internamente já imaginava que seu destino seria outro. Pego minha máquina é pergunto se poço tirar algumas fotos. Andréia, com seus 25 anos, responde. “Pode tirar sim, não tem problema. Já perdi tudo na vida mesmo”.

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