sábado, 22 de maio de 2010

Darwinismo social de mercado

Entendendo a redemocratização da América Latina como período de abertura política pós-regimes militares, como sintetizar o processo em busca de estabilidade na ordem política em países como Brasil, Argentina, Peru e Bolívia? Apesar das óbvias singularidades variáveis de acordo com a situação sócio-econômica e cultural de cada país, algumas características se repetem pelo continente. As ditaduras privaram uma geração de crescimento intelectual, político e social apropriado, consolidando um sentimento baseado no embate entre capitalismo e socialismo. Com a queda dos regimes socialistas pelo globo, o capitalismo declarou-se vencedor, e facilmente se espalhou como um câncer por todos os lados. Sociedades formadas por constituições que pregam a igualdade, mas que na prática observam a estratificação da população em regimes de semi- servidão. Passou a vigorar então um forte sentimento individualista e consumista, auxiliado ainda pela ascensão dos novos meios de difusão de informação. A televisão exibe comerciais sedutores de belos carros, eletrodomésticos multiuso, fórmulas mágicas de beleza eterna. O consumidor, hipnotizado, anseia estes incríveis produtos, invejando aqueles que os possuem. Quando finalmente alcança seus objetivos consumistas, um novo produto superior ao seu já está no mercado, mais moderno e funcional. Assim se consolida o darwinismo social pós-modernista, onde apenas os mais ricos conseguem se destacar no mundo do mercantilismo selvagem. O acumulo de capitais tornou-se a base de uma sociedade onde, aparentemente, as desigualdades são imprescindíveis. Natas abastadas tem o poder das principais estruturas decisivas, controlando a sua maneira a informação, política e economia, atuando de forma articulada e inescrupulosa para manter o poder em suas mãos. Políticos corruptos vendendo favores a grandes empreiteiros, donos de redes de mídia encobrindo algumas falcatruas, criando intrigas errôneas quando apropriado. Enquanto isso a maioria da população localizada nas bases da pirâmide se tornam fantoches de um regime perverso. Cobaias induzidas pelo mercantilismo a aceitarem a corrupção, a impunidade e as desigualdades como algo comum, sonhando apenas em, quem sabe, comprar um carro novo ano que vêm. O cidadão aos poucos foi perdendo direito por seus próprios direitos, que agora se convertem em produtos. Zequinha está tendo um ataque de pneumonia, mas sua mãe não tem condições de pagar um plano de saúde adequado para ele com seu salário de doméstica. Portanto, ele está fadado a morrer na eterna fila de algum precário hospital público, a não ser que sua mãe se torne prostituta para ganhar mais dinheiro para, finalmente, poder tratar com dignidade da saúde do filho.

Apesar do caráter um tanto apocalíptico deste relato, nem tudo está perdido. Apesar de um tumultuado e confuso período de transição, estamos caminhando para uma sociedade melhor, que lentamente está tomando consciência de valores esquecidos como igualdade e civilidade. Embora as desigualdades sejam grotescas, é certo que ao menos uma parte da população está vivendo melhor, tendo mais acesso aos seus direitos. As disputas pelo poder já não estão tão polarizadas nas mãos do coronelismo e do voto de cabresto, líderes mais responsáveis e coerentes vão assumindo cargos importantes na política, ainda que o convívio entre a nata que sempre esteve confortavelmente no poder com esta nova leva de ex-subjugados e marginalizados crie muitas instabilidades e desconfianças. O pensamento único baseado no capitalismo selvagem aos poucos tem que ser furado por ações revolucionárias de não conformismo. Conceitos como cooperativismo, justiça, respeito às diferenças e fraternidade devem ser inflamados naquelas pessoas que percebem a possibilidade de um mundo menos caótico, e mesmo que existam muitas mais coisas para serem ditas (e outras que eu mesmo escrevi aqui a serem revisadas), este relato acaba aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário