Charles Taylor,
um corrupto ditador assassino, traficante de armas, estuprador e escravizador, foi presidente da Libéria. Recentemente, tornou-se
também o primeiro ex-chefe de Estado condenado por um tribunal internacional.
Mas o cerne desta matéria não será o cruel Charles Taylor, mas sim seu pobre e
explorado país, a Libéria, mais um dos miseráveis países africanos que muita
gente nem sabe que existe. Porém, a Libéria conta com uma história peculiar em
sua colonização, realizada no século 19 por escravos libertos dos Estados
Unidos, que foram enviados por seus antigos patrões de volta ao continente de
origem dos seus ancestrais. Mas não vou me estender mais, e se você quer saber mais
sobre a Liberia, leia a matéria abaixo.
Os
diamantes de sangue de Charles Taylor, ou a Libéria na mídia internacional
O Tribunal Especial de Serra Leoa
condenou em maio o ex-presidente da Libéria, Charles
Taylor, por fornecer armas aos rebeldes de Serra Leoa em troca de diamantes, e
por ter se tornado cúmplice de crimes de guerra e contra a humanidade,
cometidos durante a guerra civil no país africano, entre 1991 e 2003. Com 64
anos, Taylor, foi o primeiro ex-chefe de Estado condenado por um tribunal
internacional, e colocou a Libéria nos holofortes da mídia mundial.
Charles Taylor assumiu o poder na
Libéria no Natal de 1989, após torturar, mutilar e assassinar o seu antigo
aliado, Samuel Doe, então presidente do país. A tortura foi filmada e mostrada
em noticiários em todo o mundo. O vídeo mostra Johnson bebendo uma Budweiser
enquanto corta a orelha de Doe.
Por parte da Serra Leoa (país vizinho da
Libéria), são muitas as denúncias contra o ex-ditador, que vão de assassinatos,
estupros de meninas e mulheres ao recrutamento de crianças-soldado, que também
eram tratados como escravos para extrair diamantes. "Muitas mutilações e
violações a mulheres eram cometidas em público, e houve até pessoas queimadas
vivas em suas casas", ressaltou o juiz responsável pelo caso, Richard
Lussick, como exemplos das atrocidades cometidas em Serra Leoa. O conflito civil
que assolou Serra Leoa entre 1991 e 2002 gerou mais de 100 mil vítimas, entre
elas uma multidão de mutilados e 50 mil mortos. Mas essa matéria não irá falar
da mutilada Serra Leoa (embora a realidade do pobre país mereça ser melhor
conhecida).
Os
escravos estão livres, mas como nos livrar deles? Vamos mandá-los para a África!
A Libéria é mais um pais miserável da
África Ocidental. Foi fundada por seis mil negros norte-americanos, trazidos
para a África em 1821 por ação da Sociedade Americana de Colonização (ACS, na
sigla em inglês). Tratavam-se de negros que
tinham sido libertos da escravatura, e que ganharam a área de presente de
seus antigos patrões para que assim pudessem viver na terra de seus ancestrais.
Os brancos não faziam isso por caridade, mas sim para expulsar dos EUA os
negros recém-libertos da escravidão, já que estes (por “seus instintos
selvagens”) não conseguiriam se adequar a uma sociedade livre norte-americana. O
regresso à África seria uma solução para evitar certos "perigos"
imaginados como resultado da presença negra, como o casamento interracial ou a
criminalidade.
Guiados pela Sociedade Americana de
Colonização, os primeiros escravos libertos aportaram na costa da Monróvia
(hoje capital do país) onde fixaram sua colônia. Deram o nome de Libéria (“Terra
Livre”, em latim) ao seu novo lar. A princípio, a administração do novo país
foi entregue a representantes escolhidos pela própria ACS. Mas, com o
crescimento populacional e o progressivo alargamento do território, começaram a
surgir lideranças locais entre os ex-escravos.
Na expectativa de aumentar as áreas
cultiváveis, os antigos escravos norte americanos passaram a adquirir mais
terras e avançar suas fazendas além das fronteiras originais. Em 26 de Julho de
1847, a Libéria declarou a sua independência, sendo o primeiro país da África a se tornar independente, embora
permanecesse estritamente atrelada aos Estados Unidos. Mais 13 mil escravos
libertos dos EUA chegam à Libéria, após a Guerra Civil americana (1861-1865) e
o fim definitivo da escravidão.
Joseph Jenkins
Roberts: De escravo nos EUA à presidente na Libéria
Os
escravos que viraram escravizadores
Não foi surpresa para ninguém quando
surgiram as primeiras desavenças com as tribos locais, que ainda por cima foram
excluídas da cidadania no país. As fronteiras - traçadas inicialmente pela ACS
e expandidas pelos negros americanos - dividiram etnias aliadas e reuniram no
mesmo território cerca de 15 tribos, algumas delas inimigas há séculos. Os
conflitos internos eram inevitáveis.
As áreas litorâneas, colonizadas pelos
negros americanos, prosperavam com o auxílio dos Estados Unidos. Plantações de
mandioca e café e a extração de borracha cresciam pela costa. Enquanto isso, o
interior habitado pelos nativos africanos era totalmente negligenciado, com a
população vivendo em miséria.
Diante
deste fato, um paradoxo curioso e triste ocorreu na chamada “Terra Livre” da
África. Com fome, as tribos nativas submeteram-se a trabalhar nas fazendas da
elite negra norte-americana, em troca de comida para suas famílias. Os nativos
eram ridicularizados, açoitados e menosprezados pelos patrões. Com o poder em
suas mãos, os ex-escravos passaram a ser
os escravizadores. Pois este, afinal, era o único modelo social que os
negros norte-americanos conheciam. Haviam nascido na escravidão, seus pais e
avós haviam nascido escravos, então era quase natural que, agora libertos,
adotassem o sistema em suas vidas. Não era possível a eles vislumbrar um mundo
onde todos vivessem em liberdade.
Preconceito e repressão: os negros que não queriam
ser negros
Em pouco tempo os “refinados” negros da
Libéria organizaram uma sociedade a parte dos “selvagens” negros nativos.
Criaram uma constituição e um modelo político semelhante aos dos EUA, definiram
a religião Batista como oficial e se declararam os únicos cidadãos por direito.
Como não podiam se diferenciar da população local pela cor de pele, mostravam
sua “superioridade” vestindo-se com a pompa e requinte de seus senhores brancos
na América, utilizando fraques, luvas e chapéus, mesmo nos dias de calor
escaldante. As roupas eram ridículas comparadas com o contexto africano, viviam
empapadas de suor, fedidas, mas os liberianos utilizavam perfumes e colônias em
excesso para amenizar o odor.
Em 1869, os américo-liberianos
instituíram um sistema do partido único, o True Whig Party, que ficaria no
poder por um total de 111 anos, excluindo do poder público os nativos. Foram
demarcados territórios para isolar as 16 tribos locais do convívio dos negros
da América, e quando estas ultrapassavam seus limites eram severamente punidas
pela bem organizada e armada polícia da Monrávia, cujos armamentos eram patrocinados pelos EUA. Quando
estourava alguma rebelião, esta mesma polícia era enviada para realizar
expedições punitivas com o objetivo de capturar escravos.
Uma das tribos locais
da Libéria: nativos não eram considerados cidadão pelos colonos negros
norte-americanos
Libéria hoje: abandono, guerra, corrupção e miséria
Por
grande parte do século 20, a classe política dominante na Libéria continuou
formada pelos descendentes dos ex-escravos norte-americanos, com seu True Whig
Party. Após a Primeira Guerra Mundial, entretanto, os EUA frearam os
investimentos no país da costa oeste africana, deixando a elite liberiana
entregue a própria sorte, o que na África significa - quase invariavelmente -
uma brecha para guerras civis. O calculo é simples: são dezenas de tribos rivais
agrupadas num mesmo pais, tendo que buscar a paz incompreensível. Porém, são
tribos que, historicamente, guerreiam já há milhares de anos entre si, o ódio entre etnias rivais é inato e quase
indiscutível em muitas sociedades africanas. Isso já seria o suficiente
para gerar grandes ondas de estabilidade, mas se torna o caos com a presença de
uma minoria negra, estrangeira dominando o país.
Porém,
o partido dos colonos negros dos EUA conseguiu, por meio da ditadura e
exploração, se manter por um longo tempo no poder. Apenas em 1980 um golpe
militar, liderado por Samuel Doe, membro de uma etnia local, tira o True Whig
Party do poder. E em 1989, acontece o inevitável: várias etnias lutam pelo
poder em uma guerra civil sangrenta, que durou até 2003 matando centenas de
milhares de liberianos.
Hoje,
Os habitantes da Libéria sofrem com vários problemas socioeconômicos. O
desemprego atinge grande parte da população; a fome e a desnutrição castigam os
habitantes. A cada mil nascidos na Libéria, 93 morrem antes de completar um ano
de idade; a maioria dos habitantes vive com menos de 1,25 dólar por dia, ou seja, abaixo da linha de pobreza.
O país tem um dos IDH mais baixos do mundo, e a expectativa de vida é de menos
de 47 anos.
Em seu
relatório anual de 2010, a organização não-governamental Transparência
Internacional (TI) identificou a Libéria como a nação mais corrupta do mundo. O maior dado verificável de
corrupção, de acordo com a entidade, são os serviços públicos. Verificou-se
que, ao procurar a atenção de um prestador de serviços públicos,
aproximadamente 89 % da população do país tinha de pagar alguma forma de
suborno.
Mais História: Os
escravos brasileiros que voltaram para a África e prosperaram
A viagem de volta para a África também foi
feita por ex-escravos brasileiros, no século 19. A expatriação começou após
Revolta dos Malês, que ocorreu na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835, na
cidade de Salvador
- Na Revolta dos Malês, organizada em torno
de propostas radicais (e praticamente suicidas), os negros pediam a
libertação dos escravos africanos que fossem muçulmanos na Bahia.
"Malê" é o termo que se utilizava para referir-se aos escravos
muçulmanos.
A rebelião foi rápida e
duramente reprimida pelo poder público e militar baiano. Cerca de 70 pessoas
morreram e mais de 500 foram punidas com deportações para a África.
- Após a Revolta dos Malês, o governo
baiano ficou assustado com o poder de organização dos ex-escravos, e criou
uma lei que permitia “reexportar africanos libertos sob simples suspeita de
promover, de algum modo, a insurreição de escravos”. O governo também
dificultava a vida destes ex-escravos, que foram proibidos de alugar imóveis
e tiveram seus títulos de propriedade anulados.
- Quase compulsoriamente, entre 5 e 8 mil
pessoas voltaram da Bahia para a África nos anos posteriores, principalmente
aos países do Benim e Nigéria. A chegada dos brasileiros provocou muitas
mudanças. Para começar, os imigrantes constituíram uma elite de comerciantes
e artesãos, atividades que exerciam no Brasil. Muitos enriqueceram com seus
ofícios, e ainda revolucionaram os hábitos locais. As casas, quase todas
térreas e sem janelas, foram substituídas pelos sobrados com dois ou três
andares, típicos do estilo colonial brasileiro.
- As moradias também ganharam móveis, como
sofás, camas, mesas e cadeiras de balanço, desconhecidos dos africanos da
época. As visitas eram recebidas com sucos de frutas colhidas no pomar, coisa
que eles também nunca tinham visto. A vida cultural também mudou muito. A
comunidade brasileira passou a organizar serões musicais e peças teatrais. Os
africanos também foram apresentados às festas brasileiras, como a Epifania e
o Carnaval. Mesmo a culinária, sofreu grandes transformações. Pratos típicos
da Bahia no século 19, como o mingau e o pirão de caranguejo, foram
perfeitamente inseridos na cozinha local.
|
*com informações dos sites Wikipedia, Terra,
Guia do Estudante (abril) e do livro “Ébano – minha vida na África”, de Ryszard
Kapuściński
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