quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Guarita



Não existe lugar mais cheio de redenção na cidade de Torres (RS) que a Praia da Guarita. Resume os encantos de nossa cidade num dos mais belos cartões postais do mundo, uma daquelas pinturas que Deus criava em seus dias de maior inspiração....

Creio que poucas vezes tenha sentido tanta paz e energia no coração, certeza de que a vida é bonita, quanto nas vezes em que estive surfando pela Praia da Guarita. Principalmente nos dias em que o vento nordeste entra fraquinho quase de terral, e as ondas quebram com aquele balanço harmônico, meio metrão quase na beira,uns tubinhos rápidos, perfeitos....

Melhor ainda se for um final de tarde, daqueles onde umas poucas nuvem rasgam o céu, formando as mais curiosas formas e contornos. Lindo demais é o espetáculo de assistir, de dentro do mar, o crepúsculo se derretendo em dúzias de cores na Praia da Guarita, com as dunas ao fundo e as torres naturais escurecendo lentamente.... e então descer a onda com isso tudo...

terça-feira, 4 de novembro de 2014

FILOSOFANDO SOBRE A MÍDIA (Parte 1): Aldeia Global, Senso Comum e Textura da Experiência



Por Guile Rocha


A mídia é uma verdadeira entidade, heterogênea e em constante transformação. É o principal alimento informacional do ser humano, e implica a existência de um processo social (em que seres humanos trocam mensagens com determinados efeitos, através de um canal e dentro de um contexto,) e uma atividade social (onde pessoas, imersas em uma determinada cultura, trocam signos e significados). Roger Silverstone ('Por que estudar a mídia?' - 1999) pensa na mídia como "algo em curso e feita em todos os níveis que as pessoas se congreguem no espaço real ou virtual. É onde se comunicam, onde procuram persuadir, informar, entreter, educar, onde procuram, de múltiplas maneiras e com graus de sucesso variáveis, se conectar umas com as outras” (1999, SILVERSTONE).

Aldeia Global

 Assim, é inegável que a mídia é um poder que tem o controle majoritário sobre a informação, bem como de sua propagação e distribuição. Ainda que o poder da mídia esteja - do ponto de vista financeiro e de difusão de sua mensagem institucional - concentrado na mão de uns poucos, novas formas de interação social vêm transformando radicalmente nossa percepção sobre a mídia. Possibilitadas pela popularização das redes sociais, a noção de Aldeia Global proposta pelo filósofo canadense Marshall McLuhan, ('A Galáxia de Gutemberg' - 1962) tornou-se passível de concretização, possibilitando que varias 'tribos' diferentes estivessem interligadas e executando intercâmbio cultural por um meio comum: a internet.
Está diretamente ligada a formação de uma aldeia global a ideia de globalização, que foi ocasionada primeiramente pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte e possibilitou um fluxo maior de informações e pessoas. Esse processo gerou uma enorme rede ou teia de dependências mútuas entre todas as regiões do globo, "possibilitando que as pessoas se intercomuniquem diretamente umas com as outras, independentemente da distância, como em uma aldeia" (MCLUHAN, 1962).
O crescimento de canais midiáticos alternativos é a tendência natural desta construção da realidade social da geração internet, recheada de pontos de vistas diferentes em busca de alguma conciliação. O numero de vozes que se fazem ouvir cresceu drasticamente, e se antes eram apenas um punhado de jornais,canais de televisão e estações de rádio que concentravam o poder de transmitir informação, hoje qualquer pessoa no mundo está pré-condicionado a ser um comunicador para massas. Tudo depende da forma com que a informação de cada pessoa é tratada e propagada no meio virtual.

FORMAÇÃO DO SENSO COMUM

Principal detentora do poder comunicativo, e amplificada por cada vez mais canais (via internet), esta complexa entidade que é a mídia tem papel crucial na formação do senso comum, as crenças e proposições que aparecem como normais na sociedade. O senso comum que, a meu ver, é conservador por natureza, mas progressista por vocação (ARAUJO SANTOS, 2014), ou seja: é tanto expressão quanto pré-condição da existência humana, e se por um lado mantém as coisas como estão e reproduz o status quo da sociedade, por outro lado vai aos poucos se transformando e abrindo espaços para mudanças variadas.
Tendo como local de encontro o senso comum, o discurso da mídia e das pessoas dependem um do outro. Juntos, eles permitem moldar e avaliar sobre a experiência da realidade social que é compartilhada por nós, seres humanos. Silverstone (1999) diz que a mídia depende do senso comum, reproduz e recorre a ele, mas também o explora e distorce. "É pelo senso comum que nos tornamos aptos a partilhar nossas vidas uns com os outros, bem como distingui-las".

A textura geral da experiência

Devemos estudar a mídia a partir de sua contribuição para a textura geral da experiência, seu papel de naturalmente transformar a  dimensão social e cultural da realidade. A textura da experiência se expressa, por exemplo, num momento de televisão: ínfimo e insignificante por um lado, cheio de significados e simbolismos pertinentes por outro, arranhando a superfície da sensibilidade do ser humano social  "Passamos a depender da mídia, tanto impressa quanto eletrônica, para fins de entretenimento e informação, de conforto e segurança, para ver algum sentido nas continuidades da experiência e também, de quando em quando, para as intensidades da experiência" ( SILVERSTONE, 1999 )
A mídia é reflexo de nossa experiência compartilhada como seres humanos, é parte da construção da realidade social e meio para articular um mundo possível  (ALSINA, 1999) . Sua onipresença e sua complexidade são algo que contribui para nossa variável capacidade de compreender o mundo moderno, produzir e partilhar seus significados.


domingo, 2 de novembro de 2014

O que representa o surf?



O que poderia escrever sobre o surf? O que ele representa?

 Será que falo da sensação de libertação do stress de uma sessão no oceano em constante transformação?

Do contexto transcendental, de meditação quase religiosa, do surfista com o mar e os pensamentos?

Do esporte que nos faz deslizar sobre o oceano, desenhando, batendo, voando pela onda, passando magistralmente através dela num tubo?

Falo do estilo de vida mais saudável que praticamente aflora na alma do surfista consciente?

Do caráter transformador dessa interação entre o homem e a onda, capaz de revelar à mais mesquinha das criaturas que a vida tem um lado bom, e que todos somos partes de um mesmo mundo abraçado pela mãe natureza?

Enfim, penso, penso... mas não sei o que poderia escrever sobre o que o surf representa...

terça-feira, 22 de abril de 2014

HOLODOMOR: O genocídio ucraniano

A subida de tensão na Ucrânia deveria levar as pessoas a procurar mais informação sobre esse país. Para a maioria de nós, a ideia mais feita é que a Ucrânia era uma “república nominal” comandada pela União Soviética no passado, ou a terra que importa muitos dos nossos jogadores da dupla Grenal. Mas a Ucrânia é um grande país com uma história riquíssima. Foi um dos celeiro da Grécia antiga, sendo um importante ponto de passagem entre a Europa e a Ásia naquele passado remoto. Foi área de conflito entre os impérios russo, austríaco e otomano. Isso já basta para percebermos as razões da sua raiz turbulenta. Até na religião se reflete o peso da História, com os cristão ortodoxos em maioria a Leste e os cristãos uniates (que aceitam a autoridade do Papa) a Oeste. Mas a história que vamos contar aqui deveria ser totalmente esquecida, não fosse sua memória ser muito revoltante para isso.




Targan é uma pequena aldeia a 120 km de Kiev, a capital da Ucrânia. Durante os anos de 1932 e 1933, metade da sua população morreu de fome. Este episódio faz parte de um momento da história ucraniana que ficou conhecido como Holodomor – literalmente a grande fome. Mas não foi a falta de alimentos que esteve na origem do flagelo, e sim uma ordem da União Soviética comandada por Stalin , após a coletivização forçada das terras agrícolas. O número de mortos nesta tragédia que, atualmente, convenia-se chamar de genocídio, é calculado entre 3 milhões e 5 de pessoas (nos cálculos mais apurados de especialistas, para a BBC Britânica),  As dificuldades no número específico de ‘exterminados’ ocorre em decorrência de muitos registros de nascimento e óbitos da época terem sido perdidos.

As coletivizações forçadas

Na “Grande Mãe Rússia” de 1929, muitos camponeses recusaram-se a integrar os “kolkhozes” –coletivização forçada  - e a entregar as suas produções ao governo. Sendo a União Soviética naquela época um país em que as cidades urbanizadas  ainda trilhava seu domínio – 82% da população vivia em aldeias no campo (pessoas ricas e pobres) -  a coletivização foi sentida como uma verdadeira guerra declarada pelo Estado contra o modo de vida  e a cultura camponesa tradicionais.
Com base na acusação arbitrária de pertencerem à categoria dos kulaks (camponeses ricos e hostis ao poder soviético), os "socialmente estranhos" ao novo sistema agrícola kolkhoziano – muitos destes ucranianos -  são desterrados a título definitivo para outras regiões, principalmente para o Cazaquistão e a Sibéria.O que as operações de deportação visavam, na verdade, era fornecer os recursos humanos necessários à colonização e exploração das imensas riquezas naturais, existentes nesses territórios desabitados. Em muitos casos, as vítimas da repressão foram simplesmente abandonadas nesses territórios distantes e inóspitos. Dados do jornalista ucraniano Stanislav Kulchytsky indicam que aproximadamente 500 mil deportados, entre os quais muitas crianças, morreram devido ao frio, à fome e ao trabalho extenuante pouco tempo após a deportação.

Começo da Fome

No começo dos anos 30, o processo dos kolkhozes começou a dar mostras que foi muito mal planejado por Stalin e seus camaradas. Não aceitando a situação de submissão de sua colheita, muitos proprietários de terra queimavam suas lavouras e animais, em protesto. Essa resistência mobilizou cerca de três milhões de pessoas, em sua maioria ucranianos – onde tradicionalmente haviam o que aqui no sul convenciona-se chamar de ‘grandes estancieiros’.  Muitos destes, os que resistiram, acabaram mortos por serem inimigos do stalinismo.
Por terem sido instituídos num contexto de violência e de caos generalizados, a ineficácia e a miséria caracterizavam os kolkhozes. Mas a Grande Fome que devastou a Ucrânia é, na sua origem, “o resultado de uma política de inspiração marxista que pretendia eliminar as bases sociais e o modo de funcionamento da economia capitalista, mesmo que as custas de centenas de milhares de vidas – ricas ou pobres”, segundo Stanislav Kulchytsky.
  Em 1931 - em consequência das más colheitas na Sibéria Ocidental e no Cazaquistão - milhares de kolkhozes soviéticos foram alvo de requisições acrescidas. Mas o bote maior, o mais cruel, foi dado na Ucrânia. Segundo a Wikipedia em inglês, o país foi obrigado a contribuir com 42% da sua produção cerealífera, o que provocou o agravamento extremo da desorganização do ciclo produtivo (iniciada com a coletivização forçada).
A partir da Primavera de 1932, a Ucrânia - e outras repúblicas soviéticas  - assistiram ao alastramento da fome, e ao êxodo desesperado dos camponeses em direção às cidades. Isso suscitou a preocupação das autoridades comunistas. Por seu lado, o governo estava animado com o êxito das requisições compulsórias, sendo que 25% de tudo que foi arrecadado partiu do território ucraniano. E por lá, os agricultores passavam o dia trabalhando, mas não tinham o que comer. Deste modo tornou-se inevitável o conflito entre os camponeses famintos e os soldados soviéticos. Reprimidos (ou assassinados), os ucranianos foram atingidos por uma série de restrições ao direito de ir e vir (fronteiras do país fechadas), além de verem o crime de roubo – de 5 espigas de milho – passar a ser o suficiente para a pena capital. E foi assim que a vida dos ucranianos virou de vez um inferno miserável, patrocinado pelas barrigas cheias dos impiedosos líderes comunistas das metrópoles russas. Motherfuckes...

A morte da dignidade


Jornal Chicago American de 1931, destacando a fome forçada na Ucrânia (Wikimedia Commons)

Uma das mulheres que aguentou ao período, Oleksandra Ovdiyuk, recorda ao site PT.euronews que “os bolcheviques criaram brigadas especiais de sete pessoas. Essas brigadas varriam as aldeias, em vagões, para confiscar qualquer feijão, grão ou outros alimentos que estivessem escondidos nas casas dos agricultores.” Segundo ela, os camponeses que sobreviveram à fome foram aqueles que conseguiram esconder alguns alimentos dos soviéticos e alimentar-se de tudo o que conseguiam obter, como por exemplo folhas e talos de milho.
Enquanto uma brigada varria as aldeias em busca de alimentos outra percorria as povoações a recolher os cadáveres. O cemitério da pequena Targan era, em 1933, uma vala comum. Cerca de quatro centenas de camponeses foram lá enterrados – quase metade da população na época -  muitos ainda com vida.“Foram à casa de uma mulher e queriam levar o cadáver dela, mas ela ainda estava viva. Ela disse ao homem para não a levar pois ainda estava a respirar. Ele respondeu-lhe que ela iria morrer de qualquer modo e que não queria voltar ali no dia seguinte,” conta Olena Goncharuk (também ao PT.euronews).
Segundo os sobreviventes, no inverno de 1932 – 1933, as pessoas viram-se obrigadas a comer os animais de companhia, como cães e gatos, e chegou mesmo a haver casos de canibalismo, como recorda Olena Goncharuk. “Tínhamos medo de andar pela aldeia pois os camponeses estavam famintos e caçavam as crianças. Lembro-me da minha vizinha: ela tinha uma filha que desapareceu. Fomos à casa dela. A cabeça estava separada do corpo e o corpo estava a assar no forno.”

Genocídio?

Estima-se que a Grande Fome tenha provocado milhões de mortos. Devido à magnitude do Holodomor, os historiadores ucranianos classificam-no como genocídio.  Segundo a Wikipedia, apesar de esta fome ter igualmente afetado outras regiões da URSS, o termo Holodomor é aplicado especificamente “aos fatos ocorridos nos territórios com população de etnia ucraniana, significando que essa tragédia seria resultante de uma ação deliberada de extermínio, desencadeada pelo regime soviético, visando especificamente o povo ucraniano, enquanto entidade socio-étnica”. Ou seja, um genocídio.
Em matéria da BBC Britânica, o historiados ucraniano Volodymyr Serhiychuk, defende que o termo genocídio é realmente o adequado pois, como conta, “houve a fome em outras regiões da URSS, no Cazaquistão, por exemplo, mas os cazaques podiam ir e procurar comida em regiões limítrofes da Rússia. Mas os ucranianos não tinham possibilidade de ir à Bielorrússia ou à Rússia, porque as fronteiras estavam fechadas e não lhes era permitido comprar bilhetes de comboio. Os agricultores ucranianos não quiseram aderir aos ‘kolkhozes’, nem dar aos bolcheviques a sua produção. É por isso que os bolcheviques não tiveram outra opção senão matá-los à fome,” conclui.
Apesar de ser considerado genocídio por mais de 20 países, os acadêmicos internacionais consideram que este não foi um ato com um intuito de exterminar um povo, pois outros países e outros povos foram também afetados. Assim, etimologicamente, o termo genocídio é questionado. Uma ideia, defendida por André Liebich, Professor no Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento (na Suíça), e historiador especialista em países da ex-URSS. “O Holodomor foi o resultado de uma política desumana e brutal de Stalin, que não hesitou mesmo perante o número de vítimas que iria criar. Mas a sua principal intenção não era eliminar os ucranianos, mas sim realizar o seu programa contra as grandes propriedades privadas, custasse o que custasse”, ressaltou (também ao site da BBC Britânica)
Definições a parte, desde 2006, a Ucrânia instituiu que o quarto sábado de novembro seria o dia do Holodomor. Um dia em que todo o país lembra os milhões de ucranianos que morreram à fome, colocando velas em todas as janelas e nos monumentos evocativos.


Pessoas passando por homens que morreram de fome em Kharkiv, 1933 (wikimedia Comons)

Principais genocídios da história

 •De armênios no Império Otomano (1915)
Estimativa de mortos: 1,5 milhão

 •De assírios no Império Otomano (1915)
Estimativa de mortos: 500 a 750 mil

 •De ucranianos na Ucrânia (1932-1933)
Estimativa de mortos: 2,6 a 7,5 milhões

 •De judeus na Europa (1939-1945)
Estimativa de mortos: 6 milhões

 •De minorias no Camboja (1975-1979)
Estimativa de mortos: 2 milhões(25% da população à época)

 •De minorias em Kosovo (1997-1999)
Estimativa de mortos: 300 mil

 •De tutsis em Ruanda (1994)
Estimativa de mortos: 800 mil

 •De minorias em Darfur (2003-atual)
Estimativa de mortos: 400 mil