Ahhh, a cachaça...
Velha conhecida minha, de boa parte dos brasileiros e de alguns outros pinguços
espalhados por esse mundão. De região em região só muda o nome: pinga, caninha,
uma polegada, branquinha, marvada, pra cirrose, água que passarinho não bebe, canha
, água (para os com maior intimidade). Mas não importa o nome, qualquer vivente
que começa a ter uma noção da vida sabe do que se trata, e muitos desses
conhecem pela goela seus efeitos de euforia, liberdade de expressão,
desequilíbrio dançante e certeza de que a Terra é redonda (porque pode ser que
tudo comece a girar mesmo). Fato também é que a cachaça tornou-se um símbolo
nacional, uma bebida vinculada às raízes do povo brasileiro, que se difundiu
pelos quatro cantos de nosso grande país e que espalha, por todos os países que
passa, o sentimento de que o brasileiro tem um combustível potente para o sangue.
História da Branquinha
História da Branquinha
As origens do seu nome
universal são desconhecidas. A possibilidade mais coerente é de que tenha vindo
de “cachaza”, palavra da antiga língua ibérica, que representava o vinho de borra, um vinho de qualidade inferior
bebido em Portugal e Espanha. Segundo a Emater, a cachaça foi introduzida pelos
escravos dos engenhos de açúcar em meados do século XVI. Era considerada uma
bebida de baixo status na sociedade, pois era consumida apenas por escravos,
mestiços ou brancos pobres, enquanto a elite brasileira da época preferia
vinhos ou a bagaceira (aguardente de bagaço de uva), trazidos de Portugal.
Ainda assim, como a
maioria no Brasil Colônia era formada por escravos, mestiços e brancos pobres, os
engenhos de cachaça foram se popularizando por todos os lados, e logo a
branquinha tornou-se a bebida alcoólica mais consumida do Brasil Colônia. Mas a Corte Portuguesa, que acreditava que a
felicidade do povo brasileiro só poderia existir mediante uma taxação adequada
(pensamento não muito diferente que o adotado pelo poder público nacional de
hoje), proibiu a produção, comercialização e consumo da cachaça, já que ela
começava a ganhar espaço significativo junto à classe média da época. Essa
popularização levava à diminuição do consumo da bagaceira, importada de Portugal,
e conseqüentemente o rei arrancava menos impostos de seu rico parque de diversões
tropical.
A cachaça contra a
opressão
Mas na prática nunca se
conseguiu acabar com o consumo da bebida, pois nenhum rei metido a besta iria
tirar, dos sofridos pobres e escravos da época, o direito àquele dedinho de
canha, pra aquecer a alma sem maltratar
o bolso. Daí, em meados do século XVIII, a Corte Portuguesa decidiu taxar
rigorosamente a venda da cachaça. Também não tiveram sucesso, pois a sonegação
era muito elevada. O povo defendia sua birita sagrada, e a aguardente tornou-se
um símbolo de resistência contra a dominação portuguesa.
Muitos anos depois, os
ricos tentaram de novo manchar o bom nome da cachaça. Quando, entre o final do
século XIX e início do XX , o produto nacional começou a ganhar força entre
todas as classes sociais, alguns setores da elite e da classe média iniciaram
um movimento de preconceito contra a cachaça, considerada uma bebida vinculada
com a pobreza. Os ricos tentavam se parecer mais com os europeus finos e
elegantes, bebendo vinhos e uísques, e deviam sentir inveja ao ver os pobres
ganhando espaço no Brasil. Essa discriminação aristocrática foi derrubada com a
Semana da Arte Moderna de 1922, quando a cachaça voltou a ser considerada um
símbolo da cultura nacional, agora contra a adoção de modismos europeus por
essas paragens. Hoje em dia nem tem conversa: a cachaça é considerada a mais
brasileira das bebidas, apreciada em qualquer bom boteco ou até em finos
restaurantes de Paris.
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