Despertei um dia, via que chovia mas sentia que não podia.... nada podia, nada seria, apenas sonho viria
terça-feira, 4 de agosto de 2009
O mau presságio
No começo todo mundo pensou que fosse uma peste. As donas-de-casa se extenuavam de tanto varrer pássaros mortos, sobretudo na hora da sesta, e os homens os jogavam no rio às carradas. No Domingo da Ressurreição, o centenário Padre Antonio Isabel afirmou no púlpito que a morte dos pássaros obedecia à má influência do Viseu Errante, que ele mesmo tinha visto na noite anterior. Descreveu-o como um híbrido do de bode cruzado com fêmea herege, uma besta infernal cujo alento calcinava o ar e cuja visita determinaria a concepção de monstros pelas recém-casadas. Não foram muitos os que prestaram atenção à sua conversa apocalíptica, porque o povo estava convencido de que o pároco tresvariava por causa da idade. Mas uma mulher acordou todo mundo na madrugada de quarta-feira, porque encontrara uns rastos de bípede de casco fendido. Eram tão verdadeiros e inconfundíveis que os que foram vê-los não puseram em dúvida a existência de uma criatura horrível semelhante à descrita pelo pároco e se associaram para montar armadilhas nos quintais. Foi assim que levaram a efeito a captura.
Duas semanas depois da morte de Úrsula, Petra Cotes e Aureliano Segundo acordaram sobressaltados com um choro de bezerro descomunal que chegava da vizinhança. Quando se levantaram, já um grupo de homens estava soltando o monstro das afiadas varas que tinham posto no fundo de uma fossa coberta com folhas secas, e ele já deixara de berrar. Pesava como um boi, apesar da sua estatura não ser maior que a de um adolescente, e das suas feridas manava um sangue verde e viscoso. Tinha o corpo coberto por um pêlo áspero, cheio de carrapatos miúdos, e a pele petrificada por uma crosta de caracas, mas ao contrário da descrição do pároco, as suas partes humanas eram mais de anjo doente do que de homem, porque as mãos eram limpas e hábeis, os olhos grandes e crepusculares, e tinha nas omoplatas os cotocos cicatrizados e calosos de asas potentes, que deveriam ter sido desbastadas com machado de lavrador. Penduraram-no pelos tornozelos numa amendoeira da praça para que ninguém ficasse sem vê -lo e quando começou a apodrecer incineraram-no numa fogueira, porque não se pôde determinar se a sua natureza bastarda era de animal para jogar no rio ou de cristão para sepultar. Nunca se verificou se na realidade foi por causa dele que morreram os pássaros, mas as recém-casadas não conceberam os monstros anunciados, nem diminuiu a intensidade do calor.
*Extraido do livro "Cem anos de solidão", de Gabriel Garcia Marquez
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